Começo a pensar o que me fez estar aqui, nesse exato momento, com essas pessoas, nesse mundo tão estranho.
Então lembro o motivo disso tudo ainda existir, pois há um motivo para que minha vizinha não goste de minha música, para que meus pais não gostem das minhas roupas, ou para que eu não goste de Ofélia, a criança ao meu lado a chorar pelo pedaço de bolo.
Ora, meu bolo, o que essa criança enxerida iria querer com ele? Olho mais uma vez para seus grandes e brilhosos olhos esperando que parem de suplicar desejosos.
- Não - falo direta.
- Por que não? - pergunta fazendo bico.
- Porque não.
- "Porque não" não é resposta.
Como se eu não soubesse que ela fosse dizer isso. Como se eu não soubesse que iria acabar dando para ela o bolo e que não faria diferença na minha vida.
Mas acabei por me apegar na simples idéia de que o bolo seria meu, e que, independente do que ela fizesse, ele continuaria sendo meu. Que erro meu. Eu não queria ele, somente senti necessidade de afirma-lo meu e protege-lo, sentindo que, pela primeira vez na vida, algo era inteiramente meu.
- Então se é seu, você não vai comer? - pergunta empinando seu nariz fino e arrebitado.
É verdade, não o queria. Então por que não dar a menina? Mas era mais complexo que isso, sempre seria. Então pela minha maioridade de 15 anos, dei à garota o bolo, sentindo aquele poder de que posso fazer mais do que simplesmente olhar para rostos tristes e olhos desejosos, posso ver corações quentes e sorrisos verdadeiros, mesmo que por somente um pedaço de bolo.
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Reflexões de Alguém
Storie breviFaço de meu tédio textos, faço de textos histórias, faço de histórias uma vida. Faço esses capítulos com o amor de uma criança crescida. Ou não.