Prefácio

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♪♫ "Sai desse corpo que não te penteia" - Menino (Supercombo)

Já parou para pensar em como o destino da sua vida pode ser facilmente impactado pelas mais simples coisas? Se uma palavra não fosse dita, se olhares não tivessem se encontrados, se um botão de enter não tivesse sido apertado, se sorrisos fossem negados... É uma lista infinita de acontecimentos durante todo o nosso dia.

Muitos podem ter dúvida de quem é, mas eu não. Eu consigo ter muita ciência de como me formei, de o que fez com que eu chegasse até aqui, onde estou nesse exato momento. Sim, esse mero escritor que fala com você. Posso adiantar que essa é uma história que envolve traições, estupro, mudanças e agressões. Isso tudo em menos de 10 anos de vida de uma criança.

Eu sou o filho primogênito, o resultado da relação entre duas pessoas que se conheceram em São Paulo, considerada a capital das oportunidades. E posso imaginar em como minha mãe tentou fazer de tudo para que seu primeiro filho fosse perfeito, evitando até as mais leves quedas. Isso me transformou em uma pessoa mimada. Eu não a culpo. Eu acredito que faria o mesmo. Essa proteção era tão intensa que meu pai ficava incomodado. Afinal, para ele, isso poderia atrapalhar na criação de uma pessoa independente.

Lembro de uma frase dele que, naquela época, não significou nada pra mim, mas que de vez em quando ecoa na minha mente. "Quando ele se casar, vai ajudá-lo a transar com a própria mulher". Novamente, digo que essa é uma frase que pouco me importou ali. Mas e hoje?

Toda essa vida mais mimada teve uma clara consequência na minha infância: eu me tornei uma pessoa extremamente ingênua. Para ter uma noção, uma vez minha vó paterna me falou que quando o galo sobe em cima da galinha é porque ele tá comendo o cérebro dela. Eu falava pros meus colegas da escola que minha vó tinha um galo zumbi. Poucos acreditam na visão Pollyana – ver o lado bom das coisas – que vivenciei pelo menos em minha primeira década. O problema é como as pessoas se aproveitavam desse meu... defeito?

Um caso fútil, mas marcante disso, foi um dia em que minha prima Ester me mostrava truques de mágica. A dinâmica era a seguinte: ela tampava a boca e o nariz e colocava um feijão diretamente na boca. No entanto, ela me dizia que tinha colocado no nariz e que iria aparecer na boca. Para a surpresa daquele mini eu de 5 anos, o feijão aparecia na boca dela. Se ela consegue, eu também consigo. Foi assim que fiquei por duas horas com um feijão enfiado no nariz. E não, não consegui fazê-lo sair pela boca.

Outra pessoa que se aproveitou disso foi Guilherme, um dos primos mais velhos da família da minha mãe. Lembro com detalhes os momentos em que ele me mandava abaixar as calças enquanto ele se masturbava e esfregava seu pênis em mim. "Não conte a ninguém". Essa era a frase padrão após cada um dos vários ocorridos com o mini eu de apenas 8 anos.

Eu sabia que aquilo era errado e de como eu era uma vítima. No entanto, nessa época, eu morava em uma cidade no interior do Ceará – onde meus pais nasceram. Ali, quando você queria xingar ou denegrir a imagem de alguém, você o chamava de viado, boiola, baitola... E eu sabia o que aquelas palavras significavam, mas será que eu queria me vincular a elas? A reposta era não. Então engoli por muito tempo essa situação quieto.

Meu pai também gostava de usar minha ingenuidade. Confesso que não me recordo de momentos felizes entre ele e minha mãe. Aliás, eu mal lembro de vê-los juntos. Ou eu estava com a minha mãe ou com meu pai. Isso evidencia muito a crise na qual eles sempre estiveram. Foi com eles que eu entendi que filhos não resolvem crises, eles só prolongam o problema, porque ninguém quer ser o filho da puta que vai largar a família.

Foi aí que se iniciaram as traições por parte do meu pai. Eu presenciei algumas dessas cenas. Eu vi meu pai com outras mulheres, os toques, os beijos... E ele me aconselhava: "Não conte para a sua mãe, se não a gente vai brigar e se separar e vai ser muito triste". Nenhuma criança quer carregar essa responsabilidade e eu acreditei que tudo seria culpa minha. Mais uma vez, o meu silêncio pareceu a melhor saída.

Mas minha mãe tinha mais motivos para se separar do meu pai. As traições podem parecer o bastante, mas, além disso, havia as constantes agressões físicas, que já deveriam ser motivo para ela dar um "basta". O coração é traiçoeiro e ela, como uma pessoa que também busca ver bondade no próximo e visa o arco-íris após a tempestade, preferiu acreditar que ele iria mudar. Ele não mudou e, em 2009, depois de muitas idas, vindas e do nascimento da minha irmã Marla, ela decidiu voltar para São Paulo.

Minha mãe, com poucas bagagens e com uma criança de dois anos no colo – sim, a Marla – enfrentou três dias de viagem de ônibus até chegar na capital paulista. Eu fiquei com meu pai. Eu tinha uma bolsa de estudo em uma escola particular na capital cearense e preferi ficar. Essa vivência não durou seis meses. Meu pai se relacionou com uma mulher não muito tempo depois de minha mãe ir embora. Do nada, uma madrasta.

Eu vim embora após um ataque de ira, quando meu pai atacou meu rosto com um cinto de couro. Fiquei duas semanas de cama e sem ir à escola, porque ele não queria que as pessoas vissem como meu rosto desfigurou. Quando melhorei, a decisão: quero ir para São Paulo.

Imaginem o garoto de dez anos chegando em São Paulo para morar com sua mãe e sua pequena irmã em um quarto com apenas uma cama de solteiro. Minha mãe foi guerreira. Lembro que, quando eu cheguei, ela trabalhava de madrugada em uma padaria e, em alguns dias da semana, como diarista. Precisávamos de dinheiro e nossa aproximação ficou em segundo plano. Não havia tempo para promover o amor ali entre nós. Tudo bem... Esse sacrifício e toda essa correria foi uma baita demonstração de como somos importantes para ela. A partir daí, eu entendi o que eu escutei uma vez na série "Todo mundo Odeia o Chris": Quando tem mais filhos do que pais, um dos filhos tem um filho. Eu praticamente tive Marla.

Essa foi uma fase da minha vida que, quando eu analiso, eu não acredito. Como pode aquele garoto ter mudado tanto? Hoje, com meus 22 anos, eu sei que não foram só as pequenas coisas que me formaram. Grandes e impactantes coisas ocorreram. Acredite quando digo que isso também vai determinar a relação com as pessoas e, a partir de agora, vocês entrarão nas melhores piores experiências amorosas. Sejam bem-vindos aos CONTOS BISSEXUAIS EM UM MUNDO BIPOLAR. 

Contos Bissexuais em um Mundo BipolarOnde histórias criam vida. Descubra agora