"Não há nada mais aterrorizante que os gritos do silêncio" — Gibran Dias
Niterói , RJ
Aquele era o meu fim. Era ali que eu passaria o resto dos meus dias.
Eu perdi essa batalha. Eu perdi? Não sei ao certo, já que tudo que planejei, com êxito, eu conclui. Tudo que aos prantos eu criei, aos prantos eu terminei. E por mais que agora pareça péssimo, por mais que pareça o fim, ocorre tudo como eu pedi.
E como eram doídos. Todo esse circuito destruiu tudo que restava em mim, sem definir como bom ou ruim. Agora, não tinha nada. Confesso que as vezes não sentir nada incomoda, me pressiono na expectativa em chorar de tristeza ou de alegria. Voando um pouco mais razo, penso em ficar em dúvida no que irei comer no almoço de tal dia. Mas a resposta é sempre a mesma, tanto faz. E acaba que esse incômodo passa, ele é tão singelo que passa de uma forma superficial. Eu não me importo de não me importar, e isso as vezes me frusta.
Eu sentia como se os sentimentos nunca tivessem existidos, toda a minha memória se relacionava desde o dia que eu a descobri dentro de mim. Ela se agarrou em meu corpo espiritual, como uma raiz de uma planta se agarra em um solo fértil. Estávamos presas uma a outra. Sempre estivemos, mas eu nunca percebi.
Em minha mente fervendo, borbulhavam cenas frescas das minhas mãos trêmulas pingando sangue. Uma lágrima frígida escorreu pelo meu olho esquerdo. Fria, sem representatividade alguma. Encarei as grades a minha frente, os corpos vivos jogados pela urina e vômito, o ar cheirava a carne morta. O agente tirou as algemas de minhas mãos, abriu a cela e empurrou-me para dentro. O som do cadeado se fechando atrás de mim era idêntico ao som da faca ensangüentada caindo no chão.
Estava feito.
Meu olhar vagou por todas mulheres empilhadas na cama de cimento. Todas extremamente dopadas, mal conseguiam firmar seus olhares vazios em mim.
Observei se algum a gente andava pelo corredor e forcei uma tosse, levando a mão a boca e expelindo os três comprimidos que eles tentaram me obrigar a ingerir. Só se esqueceram, que eu convivo com essas merdas a minha vida toda.
— Se você não tomar, não sobrevive a esse lugar. — notei a presença de outro ser naquele cômodo infernal. Do lado oposto de todas as outras, sentada com os joelhos próximo ao peito. Os cabelos ruivos bagunçados frente ao rosto, por pouco esconderia o roxo embaixo dos olhos.
— Você não parece tomar.
— E quem disse que eu quero sobreviver? — ela sorriu.
E pela primeira vez, um sorriso me causou calafrios.
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Tormento
Horror'Catarina sempre sentiu que viveu seus dias faltando um pedaço. Presa na hipótese de ter nascido "quebrada", a jovem desde criança é submetida a tratamentos psiquiátricos na intenção de manter seu equilíbrio mental. Se sentir incompleta e falha, doí...