Anotou?

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    A maneira que ela apertava as pernas, espremendo as coxas, raspando uma na outra, aquecendo-se por baixo da carteira enquanto descaradamente olhava para as costas robustas demarcadas por aquela camiseta social. O lápis todo mordido em sua boca, aguentando até o grafite para que ela não se dispa bem ali no meio da sala para o seu professor de literatura.

    Kim Taehyung sorri satisfeito com as anotações bem feitas na louça escura. Coloca o giz perto do apagador, batendo as mãos e subindo o pó. Disfarça a tosse fingindo que arrumava os óculos de haste grossa, virando para sua jovem classe e sorrindo novamente.

    — Bom dia, turma! Como foi o fim-de-semana de vocês? Espero que tenham descansado. — Termina a introdução, pegando em sua mesa um calhamaço maltratado. — A obra que vamos trabalhar hoje é O Morro dos Ventos Uivantes, um clássico da literatura inglesa lançado em 1847. Foi este romance da escritora britânica Emily Brontë que a fez ser reconhecida nacionalmente e posteriormente mundialmente.

    Sem dizer mais nada, seus alunos bem treinados abrem o livro pulando a sinopse e partindo para o primeiro capítulo. A leitura era feita em ordem alfabética, acontece que aquela cuja mente vagava pela boca carnuda e avermelhada de Kim era a primeiríssima da chamada.

    — Angel, por favor — pede ele, caminhando entre as mesas com o livro aberto nas mãos.

    Ela pigarreia, molhando os lábios secos com a ponta da língua e iniciando:

    "1801

    — Acabo de regressar da visita que fiz ao meu senhorio — o único vizinho que poderá perturbar o meu isolamento. Esta região é sem dúvida magnífica! Sei que não poderia ter encontrado em toda a Inglaterra outro lugar como este, tão retirado, tão distante da mundana agitação. Um paraíso perfeito para misantropos: Mr. Heathcliff e eu próprio formamos a parceria ideal para partilhar esse isolamento. Um tipo formidável, este Heathcliff! Mal ele sabia como eu transbordava de cordialidade quando os seus olhos desconfiados se esconderam sob os cílios, ao ver-me cavalgar na sua direcção, e quando os seus dedos resolutos e ciosos se acoitaram mais fundo nos bolsos do cole e quando lhe disse o meu nome.

    — Estou a falar com Mr. Heathcliff? — perguntei. Aquiesceu com a cabeça.

    — Sou Mr. Lockwood, o seu novo inquilino. Quis ter a honra de vir visitá-lo logo após a minha chegada, para lhe apresentar as minhas desculpas e lhe dizer que espero não o ter importunado demais com a minha insistência em alugar a Granja dos Tordos: constou-me ontem que o senhor tinha dito que..."

    — Próximo! — dita Kim, fazendo a entonação de Angel dar uma guinada aguda.

    A leitura malmente atingia seu objetivo, pois a garota estava centrada em algo muito mais emocionante, o tal moço bem vestido e de pose refinada. Aquela voz rouca, o jeito de andar, os olhos puxados, ela era grata por poder enxergar. Nem se faz necessário citar sua inteligência, afinal o sujeito ensinava outras pessoas a interpretar textos.

    Dias como aquele em que os cabelos estavam caídos na testa, os três botões desabotoados mostrando parte de seu peitoral, faziam com que Angel ficasse desestruturada psicologicamente. Sua respiração pertencia a ele, assim como seus batimentos, uma loucura!

    Atordoada, mas não tola, sabia o momento exato de desviar o olhar, deixando a barra de desconfiômetro do professor no zero. Ela ardilosamente todos os dias tirava uma lasquinha daquele modelo que pagava de beletrista. Estava chegando num ponto que ou ela declarava sua paixão ardente ou morreria por ela.

    No final da sala, Kim vinha pontuando cada cabeça do lugar, conferindo se alguém tinha faltado. Percebeu no meio da contagem pernas trêmulas, ansiosas. Ele se aproximou, sussurrando baixinho para não atrapalhar o resto da classe:

❝𝐀𝐧𝐨𝐭𝐚 𝐚𝐢: 𝐓𝐞 𝐚𝐦𝐨!⚤❞Onde histórias criam vida. Descubra agora