𝙲𝙰𝙿𝙸𝚃𝚄𝙻𝙾 𝙸𝚅

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TW: homofobia, depressão.

08/02/1924
Nova Iorque - Manhattan
1:00

Suspirando, Wooseok trancou a porta do escritório e desceu as escadas. Abriu o portão do galpão e hoje, além do frio congelante, pequenas gotículas de chuva caiam dos céus.

- Droga... - Lembrando de que não havia um guarda-chuva consigo, o moreno reclamou baixinho e passou a andar apressado.

No meio do caminho, a chuva apertou transformando-se em uma tempestade e Wooseok se viu obrigado a achar abrigo em um toldo de uma padaria. Colocando a mão no bolso do casaco, estranhou não ter sentido o cordão. Sim, mesmo tendo jogado as flores fora, guardou o cordão e a foto, algo dentro de si, dizia que era o certo.

Um leve frio passou pela sua espinha quando sentiu o bolso vazio, quando percebeu um furo no tecido e bufou, puxando os cabelos para trás.

Saindo da proteção do toldo, o moreno voltou para o caminho que havia feito anteriormente, tendo dificuldade em olhar para o chão por conta da chuva torrencial que fazia. Suas roupas a essa altura, já estavam ensopadas, igualmente seu cabelo, que grudava na testa. Tentava a todo custo enxergar a plaquinha no chão, até que viu um brilho prateado na guia, caminhando até o lugar, grunhiu quando percebeu ser um papel de doce e não o objeto que procurava.

Wooseok pensou que a chuva havia parado, mas franziu o cenho quando percebeu que gotas fortes de água ainda batiam nos tetos de alguns carros.

- Procurando isso? - Wooseok olhou para cima, vendo Yuto com um guarda-chuva encima dos dois e o cordão pendurado na frente do seu rosto. - Você deve ter deixado cair lá atrás.

Puxando com força o acessório das mãos de Yuto, o moreno se levantou com rapidez e estava pronto para continuar sua caminhada. A última coisa que queria era ter que dar satisfações ao homem.

- Fico feliz que guardou. - Parados frente a frente, Yuto puxou de dentro da camisa branca, um cordão idêntico. - Uso desde aquele dia...

Não dirigindo uma única palavra ao de cabelos pretos, Wooseok saiu da proteção do guarda chuva e passou a andar em passos pesados e largos. Podia ouvir o caminhar de Yuto atrás de si, mas ignorou, ou melhor, tentou.

- Espera aí! - Yuto lhe alcançou e puxou seu ombro. - Eu pensei que...

- Você pensa demais, Yuto! Não somos mais crianças, somos a porra de adultos! Vê se cresce e vaza da minha vida! - Wooseok se virou abruptamente e apontou o dedo indicador no peito do amigo.

- Igual você saiu da minha? - Yuto esbravejou e segurou o pulso do moreno, jogando seu braço para baixo e empurrando seu peito para longe, fazendo Wooseok cambalear para trás - Pelo que eu bem me lembro, foi você quem foi embora, sem ao menos se despedir! Depois de tudo o que passamos juntos, você me deixou! - Jogando o guarda chuva no chão com raiva, Yuto se aproximou até ficar a centímetros de distância de Wooseok.

- E QUE CACETE VOCÊ QUERIA QUE EU FIZESSE? VOCÊ ACHA QUE EU QUERIA TER IDO EMBORA? TER DEIXADO VOCÊ PARA TRÁS? - Gritando, Wooseok se aproximou mais ainda do amigo. - Eu só quero que você pare de atrapalhar meus negócios. Somos adultos, então aja como tal!

- E o cordão, Wooseok? E o beijo? Hoje em dia, pra você, nada passou de um acaso? - Diminuindo o tom de voz, Yuto podia sentir que seus olhos começavam a marejar.

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10/01/1910
Estados Unidos - Califórnia
17:00

- Eu vi a Amellia e o Joe hoje no pátio do colégio... - Yuto disse e apertou o caderno de história contra o peito, andando lado a lado com o amigo. - Todo mundo tava comentando.

Passando pelo portão do colégio, ambos seguiam a mesma estrada de sempre.

- Foi só um selinho, não é nada demais. - Wooseok comentou e jogou os ombros pra cima.

- Um o que?

- Selinho, Yuto. Vi isso em um filme. - O moreno segurou os ombros do amigo e encostou levemente os lábios dos dois, em um breve selar. - Viu? Nada demais.

Talvez para Wooseok, tinha sido nada demais. Mas para Yuto, aquilo foi uma explosão de sentimentos, como se estivesse correndo em um vasto campo de margaridas.

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08/02/1924
Nova Iorque - Manhattan
1:07

Olhando para o amigo, que também estava encharcado, Wooseok tentou demonstrar como se a lembrança não tivesse surgido nenhum efeito em si. Mas borboletas começavam a bater as asas em seu estômago.

- Éramos... Éramos crianças, Yuto! Temos vinte e três hoje!

- E ISSO MUDA ALGUMA COISA PRA VOCÊ? - Yuto gritou e puxou os cabelos para trás com raiva. - POR SUA CAUSA, POR CAUSA DA PORRA DA SUA AUSÊNCIA EU ENTREI EM DEPRESSÃO, WOOSEOK! - O moreno paralisou um pouco com a notícia.

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Depois que se mudou, tentava, de fato, manter contato com o amigo. Mas por algum motivo, suas cartas nunca eram respondidas, ou ao menos entregues. O moreno descobriu a resposta para essa dúvida quando de madrugada, se esgueirou até a sala de estar de casa e viu seu pai jogar as cartas na lareira acessa.

- Filho meu não vai se envolver com outro homem, não embaixo do meu teto. - Jogando a última carta - de um montante -, o pai do menino se sentou no sofá de frente para o fogo e acendeu um charuto.

Woosoek foi sim, confrontar seu pai. Mas as consequências de seu comportamento, fizeram seu eu interior se encolher e nunca mais retrucar sobre a saudade do amigo para com o pai.

Somente sua mãe sabia de suas dores e como a falta do melhor amigo implicava em madrugadas de choro e dor de cabeça. Sua mãe também chorava, mas escondida, tomando as mágoas do filho. Wooseok não queria muito, só queria poder brincar com Yuto, passar as tardes deitados no gramado no topo do morrinho em frente a suas casa, encontrando formas nas nuvens.

E a constante sensação de solidão sem o colega, fez o pequeno entrar em depressão também. Escondido do marido, sua mãe comprava remédios, o levava em algumas sessões de terapia e tentava ajudar o filho da melhor forma. Mas nada podia acalmar o coraçãozinho frágil do moreno.

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08/02/1924
Nova Iorque - Manhattan
1:10

- POIS EU TAMBÉM! EU APANHEI POR VOCÊ! Meu pai me deu uma surra! Eu tentava manter contato com você, mas meu pai queimava todas as cartas! - Voltando a apontar o dedo no peito de Yuto, Wooseok vacilava nas palavras. - Minha mãe me dava remédios escondidos, eu chorava toda merda de madrugada com um pai homofóbico em casa, Yuto!

Yuto tinha a respiração acelerada e não sabia distinguir suas lágrimas da chuva forte que ainda fazia.

- Quando ele morreu eu dei graças a Deus! Nem na porra do enterro eu fui! Mas quando minha mãe faleceu, eu não saí da cama por cinco meses! - A lembrança da falecida mãe trouxe lágrimas ao rosto de Wooseok, que a essa altura, não se importava em pegar um resfriado. - Eu me afundei em drogas e bebidas, fumava inúmeros cigarros durante o dia e aqui estou.

- E eu estou aqui também, porra! Você foi a primeira pessoa com quem eu pensei no futuro, pensei em construir algo além da amizade! Mas você com seu ego inflado prefere tornar as coisas muito mais difíceis! - O barulho do soluçar de Yuto poderia até mesmo ser mais alto do que o som da chuva, seu lábio e seu corpo tremia.

- A vida me fez assim, Yuto. Não volte a me procurar, não volte a mandar qualquer coisa que seja e não atrapalhe meus negócios. Só estou querendo trabalhar. - Dizendo com um tom imparcial, Wooseok se virou de costas a Yuto. - E enxugue as lágrimas, homens não choram.

Não conseguindo proferir uma palavra sequer, Yuto ficou parado na chuva enquanto observava o ex melhor amigo se distanciar.




𝙳𝚊𝚒𝚜𝚒𝚎𝚜 𝚊𝚗𝚍 𝙲𝚒𝚐𝚊𝚛𝚛𝚎𝚝𝚎𝚜Onde histórias criam vida. Descubra agora