"Eu tenho uma tia que mora aonde a gente vai," disse Ashido enquanto mascava um chiclete. "Não exatamente lá, né. Mas é na mesma prefeitura."
Todoroki não sabia como respondê-la, então apenas escutava. É admirável como ela leva jeito para puxar assunto com as pessoas.
As duas semanas mais longas, segundo Shouto, tiveram seu fim. Contou as horas para aquela sexta-feira. No primeiro ano foi em dois passeios com sua turma então não lhe era algo inédito, mas o nervosismo tinha nome. Ele próprio tem estranhado o seu comportamento ante as coisas. Normalmente seguiria sua vida até o dia do compromisso.
Os segundanistas da Yuuei passariam o final de semana em Nagano, hospedados numa casa tradicional afastada dos grandes centros e que geralmente recebe estudantes de outros lugares. A região possui certa movimentação turística mas não tão intensa quanto Quioto ou Tóquio – na verdade, qualquer coisa em comparação a metrópoles é tranquila, diga-se de passagem. Inclusive uma britadeira.
Sequer haviam viajado e já sentia o peso sair de suas costas. Viver em um ambiente que é tudo, menos sossegado, cansa. Transportes, aglomerações, gente apressada indo e vindo. Impossível pedir uma pausa nem que seja por alguns minutos. Sem contar que Todoroki não mora sozinho. Mesmo em casa, ao que tudo indica ser o ambiente perfeito para acalmar os ânimos, a cama vira mesa de reunião de um homem só, seja para planejar o que fazer no dia seguinte, na próxima semana ou no mês que vem. Ele está acostumado com esse estilo de vida mas não pode negar que é desgastante. Só queria dormir sem pensar que se não acordar no horário, pode se atrasar e perder aula. Ninguém é de ferro e Shouto é apenas um adolescente.
O garoto volta à realidade com a bola de chiclete estourando. Ashido ainda estava do seu lado e ele, involuntariamente, olhava na direção de Iida, que distante deles, conversava com Midoriya e Uraraka. E ela, claro, fazia a mesma coisa.
"Ei," chamou Ashido, num tom curioso. Fofoqueiro, de certo modo.
Todoroki olha pra ela, esperando.
"Já tem uma dupla pra sentar no ônibus?" Ela forma mais uma bola com o chiclete, a estourando outra vez. Ashido espiava Iida e o percebeu olhando de volta. Sendo mais específica, pro colega distraído que estava junto dela. O representante tentou disfarçar ao ver que a garota o encarava também.
"Ainda não..." Todoroki resmungou, amuado. Ele voltou a olhar Iida, que já não olhava para os dois.
E Ashido o acompanha, rindo. Discreta, mas pretensiosa. Parecia confirmar uma hipótese que há muito estava pesquisando sobre.
"Entendi..." O tom de voz da menina insinuava alguma coisa. Desligado do jeito que é, Todoroki nem percebeu. "Enfim! Lá tem uma vista maravilhosa." Ela estica os braços para trás e olha ao redor, pois ouviu alguém chamar seu nome. "Sei lá, você deveria aproveitar... Eu acho," completou enquanto se retirava, acenando. "Tchau, tchau!"
Todoroki vê Ashido se afastar aos poucos e em seguida parar pra conversar com suas amigas. Não precisou de um ouvido supersônico para escutá-la falar coisas como "eu sabia!", entusiasmada. Ao mesmo tempo, Jirou a interrompia com uma sucessão de sons reproduzidos a própria boca. Shhh!
Ele não entendia porque a colega de classe falava como se soubesse de algo a respeito. Um segredo, talvez? Não que isso fosse da sua conta. Não que ele tivesse algo a esconder...
Mas distrações à parte, ele sente alguém se aproximar enquanto observava as garotas. Elas estavam... Rindo? O que parecia tão engraçado? Sua frequência cardíaca acelerou e um frio estranho na barriga surgiu ao sentir o cheiro daquele perfume de novo. Shouto se vira e vê Tenya.
"Uhmn... Oi, Iida," disse Todoroki. "Bom dia."
"Bom dia, Todoroki!" responde Iida, radiante. "Certificou se trouxe o necessário?"
Todoroki se lembrou do ocorrido de duas semanas atrás, mesmo sabendo que a intenção de Iida não foi essa. Ele só estava cumprindo a sua função de representante de classe, a garantir que todos estavam devidamente preparados!
Sem muito a acrescentar, Shouto assentiu.
"Ótimo! Hã..." Tenya olhou os colegas a sua volta, alguns com duplas já formadas e afrouxa um pouco a gola da camisa antes de prosseguir. "Então, é... Já tem alguém pra te acompanhar?" Ele tira o óculos para limpar as lentes que já estavam limpas, por sinal. "No ônibus. Durante a viagem, eu quis dizer."
Iida parecia nervoso.
Todoroki viu Ashido caminhar com Jirou e Yaoyorozu enquanto Iida conversava com ele. A garota olhou de volta, ainda rindo. Talvez agora sabia do que ela estava falando.
"Não..." Sucinto, mas hesitante. "E você?"
"Que coincidência!" Iida soltou uma risada estranha, meio falhada. Todoroki não soube distinguir se era fingimento ou não. Com o punho em frente à boca ele tossiu baixo, limpando a garganta. "Também estou sem companhia. Companhia de ônibus, já que as pessoas sentam em duplas!" disse, ainda mexendo no colarinho para em seguida esfregar as próprias mãos nas laterais de sua bermuda. "Podemos ficar juntos, caso queira. Mas não se sinta na obrigação! Eu- é..."
Shouto, por algum motivo, sentiu seu rosto esquentar e torceu para que não estivesse vermelho a ponto de ser notado. Seu colega só não queria deixá-lo sozinho e Todoroki tinha a impressão de que se aceitasse, usaria da boa intenção de Iida, se aproveitando de um sentimento tão genuíno para suprir suas vontades. Seria egoísmo se ele, por acaso, dissesse que sim? E se Iida soubesse dos sentimentos de Todoroki por ele? Teria alguma diferença na forma como o trata?
Não. Iida ofereceria ajuda independente das circunstâncias. É isso que amigos fazem, certo?
E talvez essa seja a única chance de Shouto.
"Por mim, tudo bem," sussurrou, olhando pra baixo.
Tenya pensou tê-lo visto sorrir. Um sorriso acanhado e sutil, mas ainda um sorriso. Provavelmente está vendo coisas, óbvio. Bem que seu irmão lhe disse que estava na hora de trocar o grau do óculos.
Os dois conversaram algumas vezes durante a viagem, mas era Iida quem mais falava. E Todoroki, como sempre, breve em seus comentários ou respostas. Nunca por desinteresse pela pessoa na qual o dirigia a palavra, mas por não saber como seguir apropriadamente um diálogo. Era difícil pra ele, tinha seus limites quando posto em situações de cunho social. Mas a dinâmica entre eles funcionava e isso é o suficiente.
Todoroki reparou certos detalhes desde o início até o fim do percurso. Detalhes que, mesmo triviais ou aparentemente sem importância, fisgavam sua atenção. Antes de viajarem, Iida se ofereceu para sentar na poltrona que fica próxima do corredor, apesar de preferir a da janela. Shouto gosta de observar a paisagem e talvez o representante soubesse disso, ou só estava mais uma vez vendo coisas onde não existem. Iida também ofereceu uma sacola, mesmo sabendo que todos os alunos receberam uma, caso o seu colega tivesse um mal-estar. Vez ou outra, Iida colocava a mão em seu ombro quando percebia que o amigo estava meio aéreo, apenas para conferir se precisava de ajuda. E pedia desculpas pela insistência.
Tudo isso num tom de voz mais baixo, confidente. Inesperado vindo de Tenya, que costuma falar alto.
E quando estavam quietos, ocasionalmente, Todoroki sentia a perna de Iida encostar na sua. Algumas vezes era só o joelho e outras, toda a extensão da coxa. Não exatamente a coxa, mas o tecido da bermuda do garoto contra a sua calça moletom. Isso lhe causava calafrios da respiração chegar a tremer. Mas fez um bom trabalho disfarçando.
Lombadas e curvas acentuadas, lógico. O que mais poderia ser?
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Anseio • {todoiida}
FanficHá um sentimento estranho que bate no peito e ecoa da cabeça aos pés. Sentimento esse de difícil definição, tão certo como o improvável. O benefício da dúvida, a hesitação do primeiro passo ou da palavra dita. Todoroki descansa sob o céu noturno; Ii...