Acordei com o relógio gritando, de inicio apenas desliguei o despertador, porém me lembrei que teria que ir a escola, então me levantei e segui até o banheiro para tomar um banho. Chegando lá tirei a roupa e fiquei me olhando no espelho, eu gosto do meu corpo, apesar de eu não ter feito a cirurgia de redesignação sexual eu não me preocupo, sei que um dia vou conseguir com meu próprio suor. Enquanto me olhava, vi minhas cicatrizes em meu antebraço esquerdo causadas por automutilação no ano passado. Eu tive alguns problemas com a depressão, porém hoje em dia eu estou melhor, tem quase onze meses que eu não faço mais isso, e consegui me recuperar bem da doença.
Enfim entrei no banho, enquanto a água caía sobre meu corpo, me peguei pensando em como que eu iria me adaptar a esse ano, já que meu único amigo se foi. Será que a Marina iria conseguir outras pessoas pra conversar e me deixar só? Será que Gabriel faria o mesmo?
Ouço alguém bater na minha porta e saio de meus pensamentos, ouvi uma voz doce e gentil me dizendo o horário, era minha mãe me dizendo que eu me atrasaria se continuasse lá, como a porta estava fechada tive um pouco de dificuldade de ouvir os minutos. Bom, ao menos nossa casa tem dois banheiros e ela não se atrasou por minha culpa...
Finalizei o banho, peguei um biquíni, um short jeans e um blusão, eu obviamente não ficaria de biquíni na praia, minha autoestima é boa, porém eu sou muito tímida, e preferia não mostrar meu corpo por enquanto, peguei também uma toalha e chinelos. Vesti meu uniforme e segui para a sala novamente esperar minha mãe, que no caso já estava me aguardando.
-Bom dia princesa. -minha mãe me olha. -Perdeu o horário?
-Me desculpa, nem vi o tempo passar. -sorri envergonhada.
-Então vamos, que você já está atrasada mocinha. -seguimos.
No caminho eu olhava o trânsito, estávamos lá paradas como sempre, talvez eu me atrasaria uns quinze minutos. Já eram quase seis e meia, o sol já nascia, a aula começa as sete, porém com esse trânsito era literalmente mais fácil eu ir a pé.
Minha mãe prestava muita atenção no caminho, quase não me olhava e nem conversava. Liguei o rádio e estava passando o jornal da manhã, então conectei meu celular no Bluetooth e coloquei minha playlist no aleatório. Me lembrei que iria para a praia após a aula e ainda não havia avisado aos meus pais, então decidi falar pra ela agora e ver se ela realmente me deixaria ir com eles.
-Mãe, posso ir pra Copacabana hoje com o Gabriel? Volto antes das vinte e três.
-Você quer ir? -perguntou enquanto dividia olhares entre mim e o trânsito. Ela sabia que eu e Felipe tínhamos esse costume de irmos juntos a praia.
-Quero, mãe. -suspirei. -Eu sonhei com o Felipe ontem a tarde, ele me pedia pra deixá-lo descansar. -comecei a movimentar a perna esquerda, acho que minha ansiedade vai atacar, minha mãe percebe.
-Tá tudo bem, quer que eu volte para buscarmos um remédio? -segurou minha mão rapidamente.
-Eu tenho na bolsa. -sorri.
Eu o peguei, coloquei embaixo da língua e esperei o efeito chegar. Comecei a respirar fundo, e logo fui me acalmando. Algumas coisas ainda me dão gatilho, espero que logo eu consiga falar sobre o garoto sem ficar chorando pelos cantos ou com a ansiedade atacada, porém por outro lado sei que fazem apenas três semanas, ainda levaria um tempo para que eu ficasse de boa. Enfim eu consegui me acalmar e logo chegamos na escola.
Desci do carro e entrei, acabo chegando dez minutos atrasada e a professora não me deixa entrar na sala pois eles tem tolerância de até cinco minutos, então aguardo a segunda aula sentada na cadeira das mesinhas que havia no pátio e aproveito para fazer o dever de casa de química que temos que entregar até na quinta feira a tarde. Eu estava concentrada quando sinto meu celular vibrar na mesa, olho e é Gabriel me perguntando se eu não iria para a escola hoje, respondi que já estava lá e que entraria na segunda aula. Bloqueei meu celular novamente e me concentrei no dever.
Finalizo a tarefa e fecho o livro pois já estava quase no horário da segunda aula. Subo para a sala e fico do lado de fora aguardando o sino tocar para que eu possa entrar, o que não demorou muito, logo ele tocou e a professora saiu da sala. Entro e sigo para o meu lugar, me sento e coloco meu material sobre a mesa para aguardar a outra professora. Assim que a aula começou formamos duplas, eu fiquei com a Marina, provavelmente ela também iria ficar sozinha, então resolvo chama-la. Nós nos sentamos juntas e começamos a fazer o trabalho.
Enquanto eu fazia a capa percebo que Marina alternava olhares entre o livro e a mim, então solto o meu lápis e a encaro, a mesma corou, porém agiu naturalmente, fechou seu livro e me olhou fixamente.
-Por que estamos nos encarando? -a pergunto sorrindo levemente com os olhos serrados.
-Me diga você, querida. -disse sarcasticamente.
-Você quem começou, pode me dizer. -a olhei.
-Fiquei sabendo por aí que seu melhor amigo morreu. -disse olhando para os meus lábios que com gloss avermelhado.
-Ah, é por isso então. -voltei a fazer a capa. -É verdade, meu namorado morreu há alguns dias.
-Não sei falar sobre isso, não vou ficar te consolando. -a garota ainda me olhava. -Mas eu espero que fique tudo bem, e que você saiba que vai conseguir superar.
-Eu estou bem, prefiro mesmo passar por isso sozinha. -sorri.
Pela primeira vez em todos esses dias eu vi sinceridade em algo que alguém disse, achei incrível. Não acho que é fácil passar por essa situação, mas sozinha eu consigo manter o controle, talvez com alguém em cima de mim ficaria pressionada a passar logo pelo luto, quero passar por isso até conseguir viver com a dor.
A aula passou devagar, finalizamos o trabalho e ficamos jogando conversa fora. Apesar de parecer rude, Marina é muito legal, tinha um humor mais inteligente, não insistia para que eu falasse nada, porém se mostrava interessada em tudo o que eu dizia, acho que nós vamos nos dar bem, e nossa amizade será muito legal.
O horário do intervalo finalmente chegou, pegamos uma mesa no refeitório e ficamos conversando enquanto comíamos. O tempo hoje está ótimo, o céu azul com algumas nuvens, o sol forte iluminava bastante o dia, ventava um pouco, porém era refrescante.
Nós continuamos sentadas no refeitório quando avisto Gabriel, ele estava rodeado de amigos, haviam umas oito pessoas com o mesmo, quando o garoto me vê, se levanta e vem em minha direção.
-E aí, meninas. -disse sorrindo. As pessoas que estavam com ele nos encaravam.
-Oi Gabriel. Tudo bem? -o encarei. -Essa é a Marina.
-Olá. -disse sem muito contato visual, já que estava presa em um livro.
-Tudo certo pra hoje? -me olhou enquanto roubava uma batata do meu pacote de salgadinhos e colocava em sua boca.
-Sim, claro. -respondo enquanto também pego uma batata e como.
Gabriel ficou mais algum tempo conversando conosco, porém logo voltou para seu grupo.
-Vocês são amigos? -disse Marina sem contato visual.
-Ainda não. -sorri de canto.
O sino tocou e voltamos para a sala, seriam duas aulas de geometria e uma de literatura. Na segunda aula tivemos prova, eu claramente não sabia nenhuma resposta, com certeza me daria mal.
Finalmente a ultima aula acabou, parecia que hoje o tempo não estava passando. Guardei meus materiais e fiquei aguardando por Gabriel que conversava com uma garota da nossa sala que estava claramente dando em cima dele, porém no fim eles se despediram com um selinho, então provavelmente eram namorados.
A menina sai da sala e eu e Gabriel seguimos até a portaria para aguardar seu irmão que viria nos buscar. As pessoas olhavam pois Gabriel é muito popular e eu não, então causava um estranhamento nas panelinhas, parecia que o garoto se sentia um pouco inseguro.
continua...
![](https://img.wattpad.com/cover/272420824-288-k249682.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
Depois de você | Jesdelal
RomanceGeorgia Rios é uma adolescente transexual de dezessete anos que vê seu mundo virado de ponta cabeça quando seu amigo de longa data e quase namorado Felipe Camargo é enterrado vivo em um sequestro, o que resultou em uma morte. A garota tem que contin...