7: Trovoadas, Fins e Recomeços

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Sete de abril de 2010. Talvez você não se lembre o que aconteceu nesse dia, o que comeu ou vestiu, mas Giovanna e Julian se lembravam com precisão de cada detalhe necessário para formar uma das recordações mais importantes de suas vidas.

O dia amanhecera sem prenunciar sua importância. Julian continuava com sua rotina de tomar medicamentos, fazer exames e percorrer pelos corredores do hospital, buscando sua musa inspiradora. Sim, depois de vê-la em um momento de fragilidade, o que aquele rapaz de tez clara queria era ter uma oportunidade de perguntá-la se estava tudo bem. Mas não foi durante aquela manhã que esse encontro ocorreu. Nem durante a tarde, quando ele fora para a ala pediátrica dar suas aulas rotineiras.

A morena estava prestes a partir-se em desilusão. Cada dia de sua vida se arrastava monotonamente, e seu coração se quebrava pouco a pouco, fruto das constantes brigas com Enrico e seu aparente descaso. Ele a tinha em suas mãos e fazia questão de amassá-la como se tratasse de um brinquedo descartável. Naquela quarta-feira em especial, ela se sentia vazia, oca, mas a verdade era que seu interior estava acumulando tanta dor que em breve romperia suas barreiras e espalharia os cacos por todo seu corpo e alma.

Ela se recordava de olhar para o céu cinzento e pensar que era assim que se sentia naquele dia, cinza. O namorado, além de não se importar com seus sentimentos e flertar com outras pessoas na sua frente, também adotara um comportamento que beirava à agressão. Sua voz se elevava sempre que ela discordava de algo ou pedia atenção. Em seus pulsos havia mais de uma marca causadas pelas mãos que lhe seguravam sem delicadeza para se impor.

Mas não foi durante o dia que tudo mudou e seu interior se estilhaçou. Não, a mudança no rumo que levava sua vida ocorreu no início da noite. Uma noite que havia começado com fortes trovoadas e ventos incomuns.

Ela havia flagrado Enrico outra vez em uma traição. E não era quase, a cena que presenciara era clara e vívida em sua mente. Na mente sem escrúpulos do seu namorado, ela jamais passaria pelos fundos do hospital e resolveria entrar no banheiro mais oculto daquele local. Não no fim do expediente. Mas ela precisou passar ali e, após esbarrar em uma enfermeira que carregava um líquido escuro, que foi despejado sobre sua roupa, resolveu ir até o banheiro mais próximo para limpar-se.

Eles não trancaram a porta, ela disse. Então, o flagrante foi inevitável e o estrago em sua mente foi imediato. Sabia que ele não a amava mais, e talvez precisasse daquela prova para conseguir romper as amarras que havia dentro de si. Seus olhos arregalados encararam os dois outros presentes no ambiente, antes que corresse para longe dali, sem se importar com seu jaleco sujo ou com a tempestade que estava prestes a começar.

— Você não pode me arrastar daqui! Não pode! — gritou, assim que viu os olhos flamejantes de Enrico, que a puxava para o outro lado do pátio, ignorando um ou outro olhar curioso. — Enrico, para! Eu vou gritar! — bradou, esperando que ele a ouvisse, sem resultados. O moreno parecia empenhado em arrastá-la por todo o prédio se fosse necessário.

— Já está gritando e eu não me importo! — Seus olhos mostravam sua indignação. Ele não estava triste ou arrependido, em sua face, a raiva quase incontrolável tomava conta de suas feições outrora angelicais.

Assim foram até o carro dele, no estacionamento frontal, e ninguém ousou perguntar o que acontecia entre eles e o motivo de ele a estar segurando pelo braço com tamanha força. Enrico a empurrou para que entrasse no carro e logo travou sua porta, indo ao outro lado e sentando-se no banco do motorista.

— Por que fez aquilo comigo? — Não, essas palavras não foram pronunciadas por Giovanna, e sim por Enrico. De alguma forma misteriosa, ele conseguia virar até a traição para que a namorada fosse culpada.

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