Quando me disse que naquela quarta-feira, em abril de 2010, quase fora a única vez que vira Julian, Giovanna estava falando a verdade. Pouco depois de o rapaz apagar em sua frente e ela sair desesperada em busca de apoio, mesmo no meio da chuva, ela percebeu que ele não era um simples paciente do hospital.
Naquela noite, Julian teve um infarto cardíaco, o músculo debilitado sucumbiu ao esforço tendo que passar por ressuscitações. Precisou ser entubado pouco depois. Sem as máquinas, seu corpo não era capaz de mantê-lo vivo. Sua saúde frágil por pouco se rompeu. Sentindo-se culpada pelo que acontecera, a jovem Giovanna não saiu do hospital nem por um minuto naquela noite chuvosa. Mesmo fora de seu turno de estágio, recusou-se a ir para casa. Tinha seus motivos. Não queria ter que enfrentar o silêncio de sua residência, não queria ouvir o fantasma de Enrico a dizer-lhe a cada dois segundos o quanto era inútil e dispensável. Suas palavras ferinas a fazerem estragos em seu já machucado coração. Resolveu que os corredores frios do hospital Careggi eram mais ternos que sua habitação vazia.
Foi nesses momentos angustiantes, enquanto estava à espera de alguma notícia sobre o estranho rapaz que havia recém-conhecido, que ela soube que não se perdoaria se algo lhe acontecesse. Como não era estagiária na área em que se encontrava Julian, foi impedida de entrar na sala em que se operaram as ressuscitações. Mesmo depois, quando ele foi transferido para a CTI do hospital, ela não pôde acompanhá-lo. Ainda assim, não saiu do hospital até a manhã seguinte, quando uma de suas colegas da faculdade chegou no local e viu seu estado.
— Giovanna, você está horrível! — Essa colega era Ângela.
Elas ainda não eram amigas, foi o que me contaram. Mas esse incidente, de alguma forma, aproximou-as de sobremaneira. Apesar das palavras duras, Ângela se responsabilizou pela companheira de curso, perguntando sobre o que havia ocorrido e o motivo de ela ainda estar ali no hospital, o aspecto decadente a gritar. Sem ter com quem desabafar e entrar em autocomiseração, Giovanna resolveu se abrir com a colega e contou cada parte do dia anterior.
— Enrico não presta! Eu já desconfiava disso! — vibrou a morena, o que não foi, de fato, confortante para a outra. — Você precisa ir para casa, Giovanna, não pode ficar aqui por mais tempo. Na verdade, não sei como te deixaram ficar.
— Eu não sei se ele está vivo — confessou a mais nova, os olhos fixos em seus próprios pés.
Esse era o real motivo de não ter saído ainda daquele lugar, talvez não o único, mas certamente o principal. Não sabia se o rapaz havia sobrevivido. Ângela, que era estagiária na UTI, deixou claro que lhe enviaria informações assim que as obtivesse, mas que a mais nova deveria voltar para casa e descansar. "Melhorar o aspecto", essas foram as exatas palavras da morena.
Aceitando de mau-grado a sugestão, Giovanna retornou à casa e essa foi, de fato, uma péssima decisão. Na solidão do lar, derrubou-se. Tudo que não conseguira despejar no fim do dia anterior, transformou-se em uma dor ainda maior e ela não pôde suportar. Quebrou quase tudo que estava a sua vista, desde copos a vasos herdados de sua avó. Quando finalmente se deu por vencida, caiu no chão repleto de cacos e se permitiu quebrar, como aqueles itens de vidro. Chorou por ter acreditado em juras falsas de amor, por deixar-se levar, por ainda sentir algo por alguém que a havia destruído. Por fim, chorou por Julian. Mesmo sem conhecê-lo de modo profundo, sentia que ele era alguém diferente, único.
Não, não foi uma paixão instantânea. Não tinha como ser. Ela estava quebrada demais para amar alguém. Era apenas a dor e culpa por involucrar alguém mais em seu tormento pessoal. Se ele não tivesse se apressado para consolá-la, poderia ter chegado a tempo no interior do hospital e não sofreria as consequências de uma noite à deriva na tempestade. Pelo pouco que ouvira enquanto esperava nos corredores do local, ele era um morador dali, sua saúde debilitada demais para que pudesse se expor ao mundo exterior. E ela o havia exposto. Por isso, seu coração se apertava e sangrava.
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Vítreo
RomanceHeloíse, uma escritora brasileira, viaja para Itália em busca de belas histórias de amor, até que se depara com um casal peculiar. Giovanna e Julian não esperam o final feliz, eles sabem que não podem tê-lo, então se empenham em viver os meios, acum...