Castlebälle, cento e três habitantes, fica no Noroeste da Inglaterra. É uma cidadezinha velha, cercada por planícies estéreis. Na verdade, a própria Castlebälle é infértil.
—Droga – Um senhor sujo e baixo reclamou. – Assim não vai dar...
Ele era um pequeno agricultor da cidade de Castlebälle. Sua propriedade ficava no começo do território da cidade, mas afastada ao menos uns cem metros da cidade propriamente dita.
—Outro ano de merda... – O homem falou amargo.
Já estavam na Primavera, mas nenhuma gota d'água caíra sobre a cidade durante os últimos 2 meses – ou em qualquer mês posterior ao último abril, onde chovera um barril de água. As safras do velho Senhor vieram pobres e sem qualidade, fazendo-o passar por grandes dificuldades. Sua amada esposa ficaria desolada quando soubesse da situação...
—Problemas com a chuva, Sr. Fazendeiro?
O senhor saltou assustado e ergueu sua enxada como arma, virando-se bruscamente. Atrás dele tinha aparecido um homem alto e bonito, de cabelos escuros e olhos negros. Ele sorria gentilmente para o senhor, e sua bata balançou com a leve brisa que passou por eles. A cruz prateada pendurada batendo no meio da sua barriga reluziu com a luz do Sol.
—Talvez... – O senhor falou com uma expressão estranha que deixava seu rosto com os bigodes brancos sujos de terra mais desagradável. Ele abaixou a enxada.
—Por que o senhor não vem esta noite a igreja celebrar? – o homem bonito falou sorrindo, imperturbável pela expressão não amistosa feita pelo fazendeiro. Tirou um papel de dentro da bata e estendeu-o ao senhor. – Qualquer pedido feito a Deus com toda certeza será atendido, se for ao lugar certo.
O homem, então, deu meia-volta e começou a andar para longe do Senhor, em direção a cidade. O velho fazendeiro observou o homem até ele sumir, e em seguida abaixou os olhos para o panfleto que segurava.
"Venha louvar Nosso Senhor! Uma magnífica festa de chá espera aqueles dispostos a ouvirem a Palavra. Esperamos ansiosamente sua vinda.", era o que o panfleto dizia. Mais embaixo estava o endereço do local onde ocorreria. O velho apenas fez emitiu um barulho com a boca e amassou o panfleto, jogando-o no chão. Voltou-se para a enxada e a terra, voltando a ará-la.
—Querido! – A voz de uma senhora foi ouvida de longe, e o senhor ergueu a cabeça para ver sua mulher, parada na frente da casa e encarando-o. – Venha comer!
E algo pareceu se enroscar no estômago do senhor. Ele encarou a terra sob seus pés. Faltava pouco para os suplementos acabarem...
Girou a cabeça e encarou o papel dado pelo homem bonito. Se abaixou e o pegou.
—Não custa tentar, não é...?
E não custou; a noite, lá estava o velho fazendeiro banhado e usando sua melhor roupa em frente a uma igreja baixa e com uma bela fachada iluminada.
—Ah, Sr. Fazendeiro!
O homem bonito apareceu na porta da igreja, um sorriso em seu rosto. Ele fez sinal para o senhor.
—Venha, já vamos começar. Se apresse.
E logo o senhor estava dentro da igreja, ficando completamente embasbacado com o interior: tinha quatro fileiras horizontais com longos bancos de madeira bem alinhados em seu interior; nas paredes, vitrais multicoloridos e com belas imagens incrustados resplandeciam. Na parte de trás, uma grande cruz de madeira ficava atrás de um altar coberto por uma toalha branca bem feita.
—Por aqui, por aqui – o homem bonito, que era o padre da igreja, o chamou.
Eles entraram em uma sala espaçosa à direita do espaço com o altar. Parecia ser o escritório do Padre. Sentaram-se em cadeiras aos redor de uma pequena mesinha.
—Estou muito, muito feliz pelo senhor ter vindo – o Padre falou sorrindo. – Espalhei panfletos falando sobre a abertura da igreja pela cidade toda, mas ninguém apareceu... fiquei muito preocupado, sendo sincero... mas, de qualquer forma, acho que mesmo só um fiel já é animador.
Seu sorriso era quente e dotado de uma incrível compaixão. Ele fez o fazendeiro se sentir um pouco mal pelo Padre.
—Sinto muito – Falou, por fim.
—Não, não se preocupe – o Padre falou gentil. – Mas, podemos começar?
O senhor apenas assentiu.
—Muito bem. O senhor sabe algo sobre o significado de Deus?
O fazendeiro balançou a cabeça negativamente. Nunca foi a uma igreja na vida, e nunca se interessou por religião. O Padre pareceu perceber isso, e um olhar meio censurador passou por seus olhos.
—Bem, bem... Deus significa amor, esperança e paz. Mas, também representa força, benevolência e generosidade. Se você for suficientemente devoto, ele realizará tudo que for possível para lhe oferecer a felicidade.
E os olhos do Senhor brilharam; a sensação da terra seca ainda estava fresca em suas mãos, e seu coração foi tomado por um desejo. O Padre sorriu gentilmente e se levantou, andando até o armário atrás de uma mesa de madeira maciça. Em cima dele estava uma bandeja de metal com um bule de chá e algumas xícaras. Pegou-a e voltou para perto do senhor, pondo a bandeja em cima da mesinha.
—Deus é piedoso com aqueles que estão em uma situação ruim – o Padre falou, enchendo uma xícara com o chá que estava dentro do bule. Fumaça saiu de dentro da xícara e um delicioso aroma preencheu a sala. – E oferece suas bênçãos.
Estendeu a xícara ao senhor, que pegou-a e encarou sedento o líquido avermelhado. O cheiro lhe hipnotizara.
—Obrigado pela benção – o Padre disse sorrindo, erguendo sua própria xícara com chá no ar. Bebeu-o, e o fazendeiro fez o mesmo.
De longe, vindo e cobrindo a cidade, nuvens cinzentas apareceram poucas horas após meia noite. Quando o senhor se levantou e se arrumou para ir arar a terra, se surpreendeu com a água que caía.
—M-Milagre! – Exclamou.
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Dia a dia, noite após noite, a igreja encheu-se mais e mais de gente. Da parte baixa ou da parte alta, cada pessoa de Castlebälle em algum momento passou na igreja. Variados tipos de crentes iam e vinham, com diferentes preces a serem feitas.
"—Eu gostaria de ganhar dinheiro fácil!", um baixinho corcunda e com olhos de peixe morto orou, esfregando as mãos suadas e nojentas.
"—Eu quero foder aquela garota bonita!", um brutamontes confessou, um olhar lascivo brilhando e um sorriso perverso.
O belo Padre atendeu cada um, não se abalando por nenhuma confissão ou oração e sempre oferecendo-lhes aquele chá delicioso.
—O que o senhor necessita, Sr. Prefeito? – o Padre perguntou ao homem seco de cabelos brancos que estava observando a igreja pela janela da loja em frente. O homem se assustou, virando-se para encarar o homem. – Seria o ouro da velha mina?
Diante da astuta pergunta o prefeito apenas arregalou os olhos, mas um sorriso de dentes amarelos formou-se em sua face pela falta de censura na voz do Padre. Este, na realidade, apenas sorriu mais gentilmente, e fez sinal para o prefeito segui-lo para a igreja.
No dia seguinte, uma luz dourada faltou cegar o velho prefeito miserável.
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Semana após semana, mês após mês, Castlebälle virara uma cidade mais e mais feliz. Todos foram agraciados por Deus: o Sr. Fazendeiro obteve a melhor safra de sua vida, o Corcunda com olhos de peixe vivia luxuosamente sem fazer nada, o Brutamontes conseguira sua garota e o Prefeito enxerga sua casa com mais e mais brilhos preciosos.
Contudo, até mesmo as mais animadas e divertidas histórias um dia devem acabar, como a vida.
—Irmãos – o Padre, durante uma missa de domingo, chamou os presentes (que consistiam em toda a cidade). – É com muito pesar que comunico que não poderei mais ficar convosco.
E aquilo pareceu esmagar as pessoas.
—Eu tenho que ir resgatar novas ovelhas em nome de Deus. Peço que perdoem-me por ir embora.
As pessoas ficaram desesperadas; o Fazendeiro lembrou-se da sensação de terra úmida; o Corcunda enfiou as mãos nos bolsos, tremendo; o Brutamontes apertou a cintura da garota ao seu lado; o Prefeito apertou suas joias nas mãos.
Cada pessoa na cidade ficou profundamente desesperada; cada um implorou ao Padre para ficar. Este, emocionado, decidiu realizar uma ultima festa de chá.
—Queridos Irmãos! – Sua voz estava embargada. – Vamos celebrar! Bebam! Bebam o chá!
E todos na igreja, na última missa da igreja, ergueram suas xícaras cheias de chá, todos com olhares sedentos e desesperados pela bebida. Todos começaram a beber. Mas, não importava quanto bebessem, parecia nunca acabar; o chá parecia nascer na xícara sem fim.
O Padre observava tudo com um sorriso no rosto; não seu sorriso habitual, mas um sorriso faminto e satisfeito. Seus olhos, antes escuros e quentes, eram agora vermelhos e cruéis. Ele ouviu um fiel engasgar e se desesperar e começou a cantarolar, vendo-o cair no chão, sufocando até a morte.
Um a um, pessoa por pessoa. Cada um dos fiéis beberam até se engasgarem desesperados. Contudo, o desespero não era por se engasgarem, não, não. Era por não conseguirem mais beber o delicioso chá, que agora saía das xícaras para o chão e não era mais somente avermelhado, mas um vermelho intenso. Seu cheiro doce e delicioso agora era forte e enjoativo. Cheiro de ferro.
O Padre, sempre sorrindo, bebeu sua própria xícara de chá até esvaziá-la e bateu suavemente com ela no altar. Seus olhos ficaram novamente escuros, e o sorriso gentil voltou aos seus lábios.
—Amém – falou gentilmente.
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Um homem baixo, usando vestes negras, deslizou pelo chão empoeirado de uma cidadezinha.
Observou calmamente os arredores, uma lágrima solitária escorrendo a face.
—Me pergunto se essas pessoas foram felizes enquanto morriam... – Murmurou, encarando as dezenas de corpos secos espalhados pelas ruas, em frente a prédios deteriorados.
Um panfleto flutuou acima de tudo, indiferente ao homem baixo e aos corpos, e muito menos a estrutura decrépita da cidade. Ele anunciava, enquanto seguia voando para o Sul: "Venha louvar Nosso Senhor! Uma magnífica festa de chá espera aqueles dispostos a ouvirem a Palavra. Esperamos ansiosamente sua vinda."
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Vampire's Story
Fanfic(Republicação separada dos especiais de Natal e Halloween da fic Nem sempre a melhor escolha) Os seres humanos são criaturas que, senão tolas, são curiosas demais para o seu próprio bem. Mas quem liga? Desde que possam beber chá, com certeza serão f...