Capítulo I

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Um dia de cada vez ...

"Aquele sorriso nunca iria sair da minha mente. A forma que me olhava profundamente me fazia sentir a pessoa mais desejada do mundo. Eu adorava cada detalhe mesmo que eu não pudesse usufruir deles por muito tempo."

O som do helicóptero sobrevoando minha casa significava a que o dia havia chegado. Eu torcia para que não fosse uma operação policial, pois precisava estar no campus antes da 09h e nada poderia me fazer atrasar. O despertador nem havia tocado e eu já estava em pé arrumando minha mochila.

O cheiro do café adentrava meu quarto e o barulho das panelas na cozinha era alto. O terno perfeitamente passado estava pendurado em um cabide próximo ao meu guarda roupa e os sapatos encerados estavam abaixo. É difícil ver a hora com a tela trincada do meu celular mas deve ser quase 6:05h. Eu não estou habituado a usar terno e com muita dificuldade e um tutorial no Youtube eu consigo dar o nó na gravata. O espelho a minha frente mostra minhas olheiras e o rosto inchado levemente avermelhado após ter feito a barba recentemente.

- Ícaro, você já acordou meu filho? - a voz de minha mãe é baixa.

- Sim mãe, já estou indo.

Sob a mesa, há três variedades de pães: caseiro, francês e uma rosca de coco, a minha favorita da Padaria Santa Luzia. Minha mãe, Sandra, estava tão ansiosa como eu e queria me proporcionar o melhor café da manhã. Eu queria poder comer um pão na chapa com a manteiga caseira mas não podia demorar muito então optei por um pedaço de rosca e um café com leite.

- Você estudou bastante meu filho? - Minha mãe senta ao meu lado, me encarando com o olhar receoso.

- Claro mãe - respondo - Estou estudando para hoje há dias, tenho certeza que irei me sair bem. - sorrio para tranquilizar seu coração.

- Boa sorte. - ela me abraça ao me levantar da mesa.

Escovo meus dentes, confiro meu material, meu passe de ônibus e uso um perfume que ganhei de amigo secreto ano passado. Confiante. Era o que eu precisava estar. Eu já havia passado pela pior parte do processo seletivo e a entrevista seria a etapa final. Eu estava a um passo de meu sonho e eu não iria deixar ele escapar de mim.

No caminho até o campus tudo parece exatamente igual. O ônibus lotado, as crianças pedindo bala aos vendedores ambulantes, algum adolescente com uma caixa de som e músicas inapropriadas para o local e o olhar desanimador de um pai de um família que enfrenta esse inferno diariamente para colocar comida na mesa e sustentar uma vida cuja qual não tem esperança de melhorias, mas se a minha mãe faxina até 10 casas por semanas para pagar o meu curso de inglês, esses pais fazem o impossível para o futuro de seus filhos.

Nascer brasileiro é nascer com uma espada em sua mão, São Jorge não chega aos nossos pés no quesito matar um dragão por dia, pois leões são para países de primeiro mundo, aqui no Brasil nossos desafios são além, são dragões que cospem fogos em nossas caras e voam para nos devorar.

Eu poderia me formar aqui, buscar um emprego em uma multinacional, sair da comunidade e me mudar para um apartamento classe média com a minha mãe e minha irmã mas mesmo com todo esforço ainda seria ineficiente, ainda precisaria de um fonte de renda superior se quisesse manter a minha família no conforto.

Aos 7, quando ganhei minha primeira competição de matemática minha mãe soube que eu tinha potencial, então conversou com meu falecido pai e me colocou para estudar o que ela chama de "computação" e então surgiu minha paixão por números e tecnologia.

Talvez eu seria mais um garotinho bom com números mas a dona Sandra sabia que se eu tivesse apoio poderia ser alguém maior, alguém cujo a escolha entre pagar a conta de luz ou o cursinho nunca existiria.

Me encontre outra vezOnde histórias criam vida. Descubra agora