capítulo 1

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               PRESENTE

Jughead

Insônia.
Um intervalo de tempo de que nossa mente acha que precisamos para divagar sobre a vida. É claro que não pedimos por isso, e muitas vezes não queremos horas e horas de olhos abertos, quando, na verdade, eles deveriam estar fechados e descansando, principalmente depois de um dia bastante
cansativo.

Mas ela veio.
De novo.
Olhei o celular sobre a mesa de cabeceira e ele mostrava que ainda eram
duas da manhã. Esperava algo assim, já que não via nem um raio de sol sequer
serpenteando entre as persianas do quarto. Joguei as pernas para fora da cama
e esfreguei as mãos no rosto. A ideia era acordar relaxado, e não mais cansado
do que quando me deitara. Entretanto, mais uma vez meu sono fazia questão de
me deixar na mão, fugindo de mim. Tinha sido sempre assim, principalmente
nos últimos meses.

Estava atolado de trabalho e isso interferia demais na minha
tranquilidade fora do Ministério Público. Por mais que eu tentasse me desligar, minha mente insistia em continuar trabalhando vinte e quatro horas por dia.

“Exausto” era uma palavra que me definia muito bem.
Nunca imaginara que seria promotor de justiça. Advogar estava no meu
sangue e achei que isso nunca mudaria, mas mudou, e hoje não me vejo fazendo
outra coisa. Experimentei um lado do direito que acabou se tornando um vício.
Amava o que fazia, e talvez essa entrega total fosse uma das razões para a
minha maldita insônia.

Caí na cama mais uma vez e pus o travesseiro sobre a
cabeça, tentando não pensar no trabalho, mas não consegui, como sempre.
Então desisti e levantei.
Aproveitei que não voltaria a dormir tão cedo e fui para o escritório. Mesmo
com a mente dizendo que não era hora de trabalhar, acabei não resistindo e
peguei alguns depoimentos para analisar. Fazia algumas semanas que estava
trabalhando em processos de violência doméstica, e um caso específico me
chamara muito a atenção. Assustei-me com as condições em que se encontravam as vítimas. Claro que eu lidava com inúmeros tipos de crimes, mas
esse, em especial, mexia com um lado meu que eu não conseguia ignorar.

Ser um cara muito família dava nisso. Nunca entenderia como alguém podia machucar outro em nome do amor. E era exatamente isso que a vítima relatava em seu depoimento. Chegava a me causar asco.

Estava lendo as declarações, fazendo uma pausa entre uma linha e outra
para não perder nenhum detalhe, quando ouvi o toque do celular.
Uma mensagem.
Sofie.
A única coisa que ainda me frustrava sobre o acidente que sofrera alguns anos atrás era o fato de ter perdido parte da minha memória.

Estavabpraticamente recuperado e me sentia muito bem, a não ser pelo buraco que se
formara no meu cérebro, engolindo algumas pessoas e determinados momentos
que eu vivera. Colegas de faculdade que me visitavam cujos nomes eu sequer
conseguia lembrar. Os primeiros casos em que trabalhei como advogado.
Alguns clientes. Várias coisas que vivi enquanto frequentava o curso de direito.
Tudo foi deletado sem mais nem menos do meu subconsciente.E Sofie fazia parte dessas lembranças que ficaram no passado.

Alexandre me contara sobre meu namoro com ela. Eu também tinha vários
objetos que confirmavam que Sofie era muito importante para mim. Fotos,
cartões, cartas, presentes, tudo remetia a uma excelente relação, e era uma luta
diária entender por que justamente ela se perdera na minha memória.

Essas perguntas me assombraram quase todos os dias dos meses seguintes
ao coma. Relutando em reconhecer que havia esquecido uma parte tão especial
da minha vida, levei um bom tempo para procurá-la. Quando percebi que não
progredia, decidi que a hora havia chegado. Depois de falar com Sofie, passei a
me sentir ainda mais perdido, lutando com uma confusão de sentimentos
dentro de mim. Mesmo que nossas conversas soassem tão íntimas, eu não
conseguia deixar de sentir um abismo nos separando. Sem falar na distância
geográfica. Depois de passar por vários países trabalhando como modelo, ela se
estabelecera na Itália. Uma das poucas coisas de que me lembrava era que
tínhamos terminado o namoro porque ela ia começar a carreira no Japão. Eu
havia acabado de sair da faculdade e ainda era muito jovem. Ela foi meu
primeiro relacionamento sério.

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