capítulo 42

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Elisabeth

PASSADO

Ele pediu, implorou para que eu o deixasse ver a Malu. Disse que estava com saudade da filha e, mesmo contra a orientação que havia recebido, eu deixei que viesse até nossa casa. Casa essa que ele cedera bondosamente para que eu e nossa filha morássemos.

Ele chegou já bêbado, dizendo que eu tinha outro, que estava sendo traído. Disse que não aceitaria o fim, mesmo depois de quase dois anos da separação. Tentou me agarrar e, quando neguei, a mão que tanto conhecia caiu em meu rosto.
Uma.
Duas.
Três vezes…

— Vagabunda… Vadia… Vai dar pra mim sim — xingava, exigindo meu corpo.
Até que resolveu que bater de mão aberta não adiantava mais. O primeiro soco veio enquanto Malu ainda dormia. Fiquei zonza, caí no sofá, muda diante da dor, não querendo que minha filha visse o horror que experimentava mais uma
vez.

Eu a protegeria, mesmo que isso significasse ter de apanhar calada. Depois que caí quase desmaiada, ele teve o que quis. Não precisou de muito, já que sua força, misturada à coragem fornecida pelo álcool, o tornava incontrolável. Apenas levantou meu vestido, aprisionou meu corpo já inerte e me tomou. Olhei o tempo inteiro para a porta do quarto, desejando com ardor que os anjos velassem o sono de Malu para que ela não acordasse.

A cada investida, eu implorava que ele parasse, mas minhas palavras pareciam excitá-lo ainda mais, como uma espécie de jogo doentio. Cometi o erro de cuspir em seu rosto.

— Tenho nojo de você — disse, com asco. O soco veio mais pesado, mais forte, mais potente.
Desmaiei.
Quando recobrei a consciência senti nojo, quis morrer. Ele me machucara, não só fisicamente, mas de uma maneira da qual eu talvez nunca mais me curasse.

Quando se satisfez, olhei em seus olhos opacos e procurei pelo homem que conhecia desde a adolescência. Busquei pelo homem que amara. Para quem entregara não só meu corpo, mas também meu coração.
Ele não estava lá.
Talvez nunca tivesse estado Talvez eu nunca tivesse percebido.

Achei que me soltaria, mas me enganei, pois meu celular tocou no exato momento em que ele levantava o jeans. Seu rosto se contorceu de raiva e ele alcançou o aparelho em cima da mesa. Eu não tinha forças sequer para levantar do sofá, então permaneci ali, encolhida como um animal acuado, ferido. A presa fácil de um homem descontrolado e sem limites.

Quando viu a mensagem que acabara de chegar, voltou a me fitar com ainda mais fúria. Achei que o fim estava próximo, pois ele me segurou, levantando meu corpo do sofá, e passou a me sacudir com violência. Seus gritos ecoavam por toda a casa, e com certeza podiam ser ouvidos pelos vizinhos.

Desejei que sim, implorei por ajuda e, dessa vez, gritei por socorro. Suas mãos acertavam tapas onde conseguiam alcançar, e eu podia ver o brilho da morte em seus olhos. A minha morte.
Comecei a me sentir mal.
Tudo foi ficando escuro, o ar desaparecendo, me deixando zonza, perdida. Ele repetia, incansável, que eu era dele e que, se não fosse assim, não seria de mais ninguém.

— Você acabou com a minha vida. Por quê, meu amor?
Tive vontade de rir. Meu amor.
Tinha sido sempre assim.
Tapas, beijos, tapas, carinhos, abuso, amor, dor.
Havia muito tempo não sabia mais o que esperar dele.
Por um momento, cheguei a desejar esse fim. Por um momento, achei que seria
melhor.
Nós dois mortos.

Enfim não sentiria mais medo.
Mas então Malu surgiu do quarto. Lágrimas escorreram quando a vi tão assustada, carregando seu ursinho nas mãos. Queria mandar que corresse, mas já estava sem ar.

— Malu… — A única coisa que consegui murmurar foi seu nome. Por favor, Deus.
Mas Deus havia se esquecido de mim. Não pude impedir quando veio correndo em nossa direção e pulou no braço do pai, e, pela primeira vez em meses, gritou:

— Solta minha mamãe! Solta! Solta a mamãe! Uma menina, uma princesa, três anos de vida e muito sofrimento em seu
coração. Ele a empurrou com tanta força que Malu caiu de lado em uma mesa de madeira.

Ela chorou e o monstro me soltou. Rastejei até ela, que se contorcia no chão. Alcancei seu corpo frágil e a abracei. Ouvi barulhos, a porta abrindo,
alguém gritando, e tudo ficou escuro de novo, enquanto ouvia minha filha chorar de dor

Muito além do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora