CAPÍTULO II - Samuel

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Três anos, nove meses e quinze dias longe de tudo e sendo verdadeiramente feliz. Ou aparentemente feliz. Ouvir aquela conversa da minha ex noiva com alguém ainda fere minha alma, meu ego. Continuo querendo saber se sou realmente tão desprezível ao ponto das pessoas verem apenas o meu dinheiro? Sempre sofri bullying na escola por ser ruivo, por ser tímido, por ser eu. "Ferrugem", "cabelo de fogo" e "coisinha manchada" eram alguns dos apelidos que ouvia diariamente e fingia não ligar por nunca saber a quem recorrer pedindo ajuda. 
Minha família veio se refugiar no Brasil no pós guerra, meu bisavô conseguiu um pedaço de chão e fez dele o mais produtivo da região com o cultivo do café, deixou aos filhos que mantiveram o patrimônio com muito suor, cresci entre os pés de café, corria descalço e amava a sensação de liberdade e terra molhada, dos dias de colheita. Vivi para ser produtor rural, apesar de primeiramente me formar em Medicina Veterinária, gosto de animais, alguns são mais verdadeiros que as pessoas, eles são sensíveis e nunca vão te fazer mal se não sentirem que estão sendo ameaçados de alguma forma. 
Depois do primeiro curso que chamo carinhosamente de hobby, cursei paralelo as especializações, Agronomia. Meus planos era casar com Bárbara Ianovich como era a vontade dos meus pais, eles acertaram tudo com a família dela sobre nosso noivado. Depois de nos conhecermos, acabamos saindo algumas vezes e sem querer me sentir inferior a minha futura esposa sentimentalmente falando, nunca contei que ela foi meu primeiro beijo e primeira transa. Assisti muitos filmes antes da nossa primeira vez porque não queria fazer feio, e acabou que fiz o contrário. Bárbara não apenas ria pelas minhas costas, como fazia questão de contar o quanto meu beijo era ruim e minha experiência sexual uma merda. Naquele momento, percebi que de fato fedia a mato, estrume e outros animais, o que nunca percebi é que isso incomodava os outros, estava acostumado, é meu trabalho e sempre amei o que faço, ela não tinha o direito de me ridicularizar daquela forma.
Sem falar com ninguém, cancelei a festa de casamento logo depois de vender a sala que servia de escritório veterinário em um centro comercial e alugar a chácara onde vivo bem e sem a presença de ninguém. Arrumei minhas coisas logo depois da conversa que tive com meus pais onde explanei tudo o que ouvi e fui acusado de ser o errado da situação, eles preferiam ver o único filho casado com uma mulher interesseira do que passar pela vergonha do rompimento, como fiz. Era tarde, já não poderiam reconsiderar, havia cancelado tudo e fiz questão de pagar todas as multas por quebra de contrato e vim parar aqui, nesse pequeno pedaço de paraíso, trouxe na mala, minhas coisas, tais como roupas, livros e meu cavalo da raça quarto de milha. Tornado é meu melhor amigo, estamos juntos há bastante tempo e ele é o ser que mais me ouviu sem sequer se manifestar. Ele sempre está comigo. 
Cuido da horta orgânica que implantei, do pomar que já existia, tenho um pequeno jardim de flores regionais, estou planejando uma pequena área para criar galinhas e outra para produção de própolis e mel. Assim que comprar isso aqui, vou renomear e tudo aqui será conhecido como Chácara Garça Branca, o primeiro animal que vi logo que descobri o pequeno riacho.
Há algum tempo que espero pela resposta do proprietário sobre a minha proposta de compra, coloquei um valor pouco acima do mercado, quase que dando garantia da compra, ainda sim, ele não responde minha proposta.
Passo bastante tempo em casa, e sempre que alguém na região precisa de um veterinário, sou chamado imediatamente. Já fiz alguns partos, e sou especialista em fertilização. Tenho vontade de futuramente ter um lugar maior onde possa criar cavalos e algumas vacas. Por hora essa pequena chácara me basta e sou feliz com o que tenho aqui. Pena que ainda não posso chamar o lugar de meu.
Fui contratado esses dias para trabalhar na propriedade localizada do outro lado do riacho, não faço ideia de quem seja o dono, mas a julgar pelo tamanho de tudo, estou preparado para bater de frente com alguém sem conhecimento algum de manejo de terra que acha que sabe tudo apenas por ter dinheiro. Apesar de não precisar trabalhar por ser herdeiro único da parte que cabe ao meu pai em relação a herança da família, construí tudo o que tenho com o suor do meu trabalho, das duas coisas que amo fazer. Gostaria de ser mais esperto no passado, talvez tivesse enfrentado cada colega de escola que me fez oprimido, ou quem sabe teria evitado a vergonha pra minha família sobre meu casamento.
Estou melhor agora que estou sozinho, sou muito mais conectado comigo e com a natureza, minhas relações com pessoas se resumem a funcionário/patrão, e digamos que colegas de trabalho ou de função, falo pouco desde a infância e depois do que passei com a Bárbara e meus pais, não consigo me sentir seguro para iniciar sequer uma conversa amigável fora do ambiente de trabalho. Espero que nesse novo, possa ser melhor meu relacionamento com as demais pessoas, ao perceber que o número de empregados é maior do que os da Fazenda de Café que meu pai ainda administra.
Não sei nada sobre o proprietário e não consigo me sentir bem sem saber o que me espera. Estou a ponto de uma crise de ansiedade tamanho o nervosismo. Preciso apenas me concentrar, inspirar, respirar e não infartar. Me aproximo da entrada principal e tudo me impressiona, lembra muito os portões antigos, muitas árvores frutíferas, de grande e médio porte. Grama bem aparada, uma propriedade impressionante mesmo antes de chegar à casa. Deus me ajude!
Quanto mais me aproximo do casarão, entendo o porquê do nome, passei por algumas pessoas e todas estavam sorrindo com expressões verdadeiramente felizes, Feliz Prosperidad um lugar realmente próspero e de povo feliz.
Paro o carro em frente a bela construção, algumas plantas ao redor, muitas flores e uma garota linda cuidando de algumas delas. Desligo o motor e ao bater a porra sou contemplado com um belo sorriso. Um que me faz perder a concentração. Respira, inspira.

AMOR À TRÊS (DISPONÍVEL ATÉ 31/10) Degustação Onde histórias criam vida. Descubra agora