Capítulo 01

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"A lógica da fé é do avesso...
Você ganha quando perde.Você cresce quando se esvazia"
- Marcela Taís

Christopher sentia frio.

De todas as coisas que poderia sentir em uma vigília, essa era a mais forte: frio.

Viu todos aqueles jovens prostrados diante do altar, chorando, cantando, enquanto ele só conseguia pensar como eles não estavam tremendo como ele mesmo agasalhados.

Talvez os diáconos tivessem esquecido de ligar o aquecedor.

Christopher bocejou, decidido a nunca mais ceder a pressão de seu pai de participar de uma dessas vigílias.

Estava cansado, com fome e sentia um frio imenso.

Nunca desejou tanto estar em casa, dormindo embaixo de seu edredom grosso e quentinho.

Ele observava com certo desdém os jovens perto do altar, de braços cruzados, quando o líder dos jovens pegou o microfone com lágrimas nos olhos.

- Deus é lindo, né gente? — ele sorria, enquanto os músicos o acompanhavam, tocando um worship baixo.— Quem aí sentiu a presença do Espírito Santo glorifica!

Vários jovens glorificaram alto, alguns em línguas estranhas. Christopher sentiu-se constrangido.

- Aleluia! — o líder riu — Podem se sentar irmãos, passo agora a palavra para o último pregador da madrugada. Recebam o missionário James com palmas para Jesus!

Os jovens sentaram-se em suas cadeiras, aplaudindo e uivando. Christopher sentou em seu canto de braços cruzados, incomodado com aquela gente barulhenta.

O missionário subiu ao altar, pegando o microfone com um sorriso.

- Paz do Senhor geração eleita!

- Paz do Senhor! — responderam em uníssono.

- Que noite abençoada irmãos, me traz um sentimento tão bom ao peito ver tantos jovens adorando a Deus as quatro da manhã... — James riu — Deus bem disse que escolheu vocês por serem fortes.

James parou por um momento e olhou no rosto de todos os jovens com uma expressão mansa, no entanto, forte. Isso chamou a atenção de Christopher.

- Vocês escolheram a melhor parte e a tomaram para si... — ele sorriu — não poderiam estar em lugar melhor.

Vários jovens glorificaram em suas cadeiras com um sorriso no rosto.

Christopher apenas revirou os olhos. Ele conseguia imaginar um lugar melhor, e envolvia camas e garotas.

- Sei que nem todos vocês estão aqui por que querem, talvez não tenha sido escolha sua.

"Bingo", pensou Christopher.

- Mas saiba que nada do que acontece em sua vida é em vão... — James fixou seus olhos em Christopher — Deus os conhecia antes mesmo de vocês existirem e sabe bem os pensamentos que tem sobre vocês.

Christopher sentiu um arrepio subir à espinha. O que foi... isso?

- Pensamentos de paz e não de mal.

Christopher riu internamente, pensando que se existia uma pessoa que ele havia irritado muito, essa pessoa seria Deus.

Como Deus poderia ter bons pensamentos sobre ele?

- Todos nós enfrentamos lutas e gigantes que nos roubam o melhor de nós, mas aí é que está: quando fazemos isso com nossa própria força, não podemos recuperar o que nos foi tirado. No entanto, quando lutamos ao lado do Deus todo poderoso, ele não só nos reabastece como nos torna mais fortes.

Os jovens glorificaram novamente.

- E hoje eu gostaria de falar sobre esse Deus que está sempre presente nas nossas piores batalhas. O Deus que nunca nos abandona e mesmo depois de nossos pecados mais graves... — James novamente olha nos rosto de cada um, parando no de Christopher — Não nos condena. Mas para que Ele possa nós ajudar, precisamos, antes de tudo, deixar nosso antigo "eu" aos pés da cruz. Só assim a caminhada ao lado dele terá sentido e será leve.

Christopher puxou o ar do fundo de seus pulmões e o soltou.

Como deixar para trás o seu "eu" se aquilo, por pior que fosse, era tudo o que ele tinha?

***

Christopher fugiu da igreja um pouco antes de amanhecer.

O céu formava, aos poucos, um degrade de azul, roxo e amarelo, enquanto as últimas estrelas desapareciam.

Ele estava caminhando na calçada quando de repente sentiu um toque suave em seu ombro.

- Oi, você é o Christopher Moore, não é?

Uma garota ruiva e sorridente de um metro e meio perguntou para ele.

- Sim.

- Filho do Reverendo Moore? — Christopher revirou os olhos e garota ruiva riu, sem jeito — que pergunta boba, é claro que é. Me desculpa, sou a filha do missionário James.

Christopher levantou uma sobrancelha.

- Filha do missionário James?

- É, bem, acabamos de chegar da Noruega, seu pai tem sido bem legal com a gente. — ela colocou uma mecha do cabelo atrás da orelha — Desculpa te parar assim, do nada, é que eu sai pra comprar umas coisas... — ela mostra a sacola do supermercado — e te vi na rua de repente. Você não vai ficar pro café?

- Não.

- Ah, tudo bem, manda um oi pro seu pai, até mais!

Christopher apenas deu as costas e continuou sua caminhada, deixando a garota confusa para trás.

"Que cara esquisito", pensou ela, "Bem que poderíamos ser amigos".

Nem tão CristãoOnde histórias criam vida. Descubra agora