Capítulo 4

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A porta do quarto é aberta tão lentamente que chega a me dar nos nervos. Mas quando vejo o olhar retraído de Evie, a minha irritação se transforma rapidamente em espanto. E logo depois, em preocupação. 

- Está ocupada? - ela pergunta, cutucando o esmalte azul claro da unha.

- Vem aqui, senta comigo.

A menina abre um pequeno sorriso antes de caminhar até a cama, toda empertigada e cheia de formalidades. A cada passo que ela dá, mais eu fico com a pulga atrás da orelha. Essa não é a Evie que conheço. De jeito nenhum. É como se a chefinha tivesse sido abduzida por extraterrestres e substituída por uma nova versão. Uma bonequinha de cera perfeita.

De alguma forma, aquilo consegue ser ainda mais assustador do que o geniozinho do mau que é minha enteada.

Mesmo com um pé atrás, eu não digo nada. Mas noto, curiosa, os seus modos nervosos - da coluna reta ao sentar-se na cama ao enfiar do cabelo atrás das orelhas. Eu  sorrio, decida a aceitar o que ela me dá e devolver com a mesma dose de casualidade forçada. Pelo menos até que ela se sinta pronta para falar a respeito.

Aproveito o silêncio no quarto para admirar os belos traços delicados no rosto que, pouco a pouco, vai perdendo as formas infantis e ganhando novos contornos. Evie está crescendo. Meu Deus, em algumas semanas, ela vai completar dez anos! Eu não poderia estar mais orgulhosa da minha chefinha. Valente, determinada e chata como ninguém.

- O que é isso? - ela pergunta, escorregando para mais perto de mim, enquanto examina os recortes espalhados sobre a cama de casal. - Vai entrar para o ramo da papelaria ou o que?

Ergo as sobrancelhas diante daquele pequeno comentário sarcástico. Sentada sobre pernas de chinês, faço um gesto amplo, abrangendo os retalhos de tecidos, as tintas e apliques a minha volta, como se eles fossem o meu reino. Tudo o que o sol toca é seu, Simba.

- Estou remodelando umas camisetas velhas - confesso, recebendo um olhar horrorizado em retorno. - Quer sentar e me ajudar?

- Eu adoraria, mas nem morta. Chloe, eu estava pensando...

É claro que estava. Estico os braços e estalo os dedos, me espreguiçando, enquanto aguardo a bomba que está a caminho.

- Desembucha, Evie.

Ela bufa, afastando a franja da frente do rosto. Isso me dá um lampejo da Evie adolescente que terei o prazer de conhecer em poucos anos. Não sei por que, mas não me sinto nem um pouco animada.

- E se esse ano não déssemos nenhuma festa? - ela solta, finalmente.

Meu queixo despenca em câmera lenta.

- Como assim? Evie, está quase tudo pronto! Buffet, garçons, o DJ... você sabe o quanto custou o DJ? Seu pai ficou louco quando viu a fatura! Ele quase me estrangulou, é sério. 

Eu noto o seu olhar envergonhado e por isso - só por isso - decido pegar um pouco mais leve. Sei que a comemoração era importante para Evie. Bom, pelo menos em algum momento, ela foi importante. Conversamos muitas vezes sobre isso nos últimos meses e ela parecia empolgadíssima com a ideia! Recorro a minha péssima memória para tentar localizar o momento em que ela desanimou da festa e eu, super animada, possa ter deixado passar.

- O que aconteceu? - pergunto, depois de respirar fundo. Bem fundo.

Ela lambe os lábios antes de responder.

- Então, hmm... pode parecer que, por ser uma garota incrivelmente linda e inteligente, eu também seja bastante popular na escola.

Ah. Então é isso. As palavras não ditas por ela são as que partem o meu coração.

A Esposa Perfeita (pausada)Onde histórias criam vida. Descubra agora