Uma guerra iminente

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Há uma semana completei dezessete. Não foi feita nem uma festa, apenas um bolo carinhosamente preparado pela Sra. Camphebel. Eu não esperava algo diferente mesmo. Todos esses doze anos que estou aqui não houve nenhuma variação em meus aniversários nem dos meus irmãos.

Minha vida também não mudou muito; treino todos os dias com meus irmãos, tanto montatria como treino de espadas (que aliás, fiquei tão boa que os venço com facilidade), ajudo a Sra. Camphebel nas tarefas domésticas e leio. As vezes vou ao centro a cavalo para comprar alimentos (o que deixa as pessoas bem confusas).

Descobri esse estilo em mim com o passar desses anos. Ele me trouxe algumas situações complicadas, como por exemplo um dos dias que os Rogers vieram em nossa casa.


Meus irmãos, os Srs. Rogers e Camphebel estavam na sala conversando enquanto eu, Sra. Camphebel, Sra. Rogers e sua filha terminavamos o jantar. Eu tentava com bastante esforço achar algum assunto em comum entre mim e Briene quando ouvi entre os sons das panelas:

- Zaya já está o ápice da beleza aos dezesseis- disse Sra. Rogers olhando diretamente para mim- com esses olhos verdes, pele branca e rosada... e esses cachos castanhos claro; duvido que nem mesmo um rapaz apaixonado tenha aparecido por aqui. Prendada do jeito que imagino que seja, se casará logo.

A Sra. Camphebel tentou me repreender, mas não consegui ficar calada.

- Agradeço os elogios Sra. Rogers, porém não desejo me casar ainda. Há tantas coisas para fazer.

A Sra. Rogers me olhou como se eu tivesse cometido um crime. Briene demonstrou o mais puro despreso.

- Querida, que coisas você tem tanto para fazer? Treinar com espadas? Ou montar?- caçoou Sra. Rogers com o mais puro divertimento.

- Na verdade, sim. Acho importante uma mulher...- tinha começado a falar quando ela me interrompeu bruscamente.

- Não acredito nisso! Então quer dizer que monta e luta? dessa maneira nunca vai arranjar um marido mesmo... estou perplexa. Como a senhora a deixa fazer uma coisa dessas? Que absurdo.- Sra. Rogers falou com raiva e surpresa.

Nada disse a Sra. Camphebel, apenas mudou de assunto.


Bem, depois daquele dia os Rogers não mais falaram nem agiram da mesma forma comigo. Briene que antes já me achava diferente mal me cumprimenta. Passou um ano desde que tivemos essa conversa mas, ainda assim, me olham como se eu fosse uma criminosa. Eu realmente não consigo entender isso; só porque eu sou diferente do comum mereço despreso?Ao contrário do que muitos pensam eu realmente não me importo; tendo a amizade, o amor e confiança da minha família e está ótimo para mim.

O que eu realmente me importo é em como está o nosso país. Faz muitos anos que o país está em crise e cada vez só piora. A única coisa que o o rei faz é aumentar os impostos (dizem que ele usa tudo no consumo pessoal) e mandar colarem anúncios semanais no quadro próximo ao correio. Só de olhar o selo real me irrita.

Minha tarefa de hoje é ir ao correio e aproveitar para dar uma olhada no mural de anúncios reais. A caminhada até lá não é longa. Caminhando passei por um grupo de homens encostados no bar que me olhavam de uma maneira que me deixou bem desconfortável; não estava a fim de arrumar briga, então apenas fiz a cara mais séria que consegui.

Quando cheguei ao correio cumprimentei o Sr. Borges, peguei as cartas, já estava me dirigindo para o mural. Passei da porta dos correios. Vi mais pessoas do que o normal observando o quadro de anúncios. Fui me adentrando entre as pessoas para ter uma visão do folheto real. Não acreditei o que li. Estava escrito o seguinte:

Cara população;

O rei informa que todos os maiores dezesseis anos e ábeis se alistem em frente ao castelo nos dias 12,13,14 e 15.

Atenciosamente O Rei.

"Alistar" normalmente não significa algo bom por aqui. Eu saí do meio da multidão. Podia ver nos rostos daquelas pessoas já sofridas o desespero e angústia. Engolir uma guerra iminente enquanto nosso país está com a maioria da população faminta não é fácil.

Tenho que contar para os meninos; pensei.

Temos poucos dias para os meninos irem ao alistamento, então, preciso ajudar o máximo o possível em casa. O Sr. Camphebel não poderá ir, pois há algum tempo atráz ele se machucou trabalhando. Voltei em paços largos para casa pensando em toda essa atual situação.

Já em casa, deixei as cartas sobre a mesa da cozinha e fui procurar todos para conta-los a notícia ao mesmo tempo. A Sra. Camphebel estava no jardim colhendo algumas flores junto a Cristopher que a desenhava.

- Onde estão os outros? Preciso fazer um anúncio importante.- falei ofegante pela caminhada rápida.

- Briam deve estar voltando a essa hora- Falou Sra. Camphebel com curiosidade- Sr. Camphebel e Antony estão no bosque caçando.

- Se todos puderem esperar na sala seria ótimo.- disse já indo em direção ao bosque.

Já estava acostumada andar por aquele bosque. Desde que roubamos o biscoitos sempre íamos lá para brincar e treinar a caça quando crianças. Adentrei entre as árvores tentando perceber o som para achar os dois caçadores. Olhei em volta e percebi que provavelmente eles teriam ido para a parte mais fechada da mata, pois tinham alguns galhos quebrados naquela direção. Não demorei muito para encontra-los.

Quando nós três entramos na casa o restante esperava na sala anciosos. Depois de todos acharem um lugar para sentar ou se encostar comecei a minha narrativa; ela não foi muito longa, mas surgiram muitos comentários.

- Eu imaginava que isso iria acontecer um dia ou outro- começou Sr. Camphebel exausto- agora temos que nos planejar de forma eficiente.

- Se eu entendi bem temos dois dias para pensar em algo.- pronuncio-se Antony preocupado.

- O rei poderia pelo menos ter avisado antes.- disse Briam mais para si mesmo do que para o restante.

- Seria realmente uma grande surpresa se o rei se desse ao trabalho de fazer qualquer coisa ao nosso favor, aliás.- falei entre os dentes.- Entretanto, vocês podem se alistar dia 15.

- Não é uma má idéia, Zaya. Porém, acho eu, que a maioria irá pensar o mesmo; terá uma fila enorme para o alistamento.- ponderou Cristopher pela primeira vez.

- Vai ser melhor se vocês forem dia 13 ou 14, então.- sugeriu Sra. Camphebel.

Depois de muito debate foi decidido que eles iriam na manhã do dia 13 mesmo. Até lá o trabalho seria dobrado.

Assim que terminamos a conversa, fiquei pensativa sobre tudo isso. Fiz minhas tarefas restantes sem dirigir nem se quer uma palavra a ninguém. A pergunta que não parava de me assobrar era: "qual o motivo para começar uma guerra com uma população faminta como soldados?"; é pedir para perder. Cada vez que lembro dos rostos desesperados das pesoas olhando o anúncio real meu corção doí. Pessoas não devem sofrer injustamente por algo do governo.Tenho que fazer algo para ajudar. O principal problema é: sou mulher, não posso ir à guerra... ou será que posso?

Passei à noite bolando um plano, mas para ele dar certo ninguém deve desconfiar de mim. Minha família jamais me deixaria ir. Tentei falar indiretamente sobre essa idéia e não funcionou; por esse motivo me foquei no plano. Temos três dias para organizar tudo, então quando me sobra tempo arrumo ropas que eu posso ir à guerra, entre elas estão incluídas: calças e camisetas velhas de meus irmãos (todos sabem que lutar de vestido não é confortável).

Eu sei que parece loucura uma mulher fazer o que estou fazendo, entretanto eu sei lutar e montar como ninguém; serei de grande serventia. Pensei na grande possibilidade de não me aceitarem, mas, bem... o não eu já tenho.




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