Capítulo 1

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O meu dia tinha começado bem. Eu levantei, fui na cozinha e vi que meus pais estavam tomando café da manhã sem conversarem – provavelmente estão emburrados um com o outro, para variar; então desejei bom dia, peguei meu café e voltei para o quarto, onde passei o dia inteiro vendo filmes.

Até meu celular vibrar debaixo do meu corpo.

O número desconhecido quase me fez cancelar a chamada, pensando que era a operadora ou algum engano. Faria mais sentido, já que ninguém, em hipótese qualquer, me liga ou entra em contato comigo. Mas, arriscando a sorte, resolvi atender.

E qual não foi minha surpresa por saber que era um chamado para uma vaga do meu currículo enviado há um ano e meio em uma padaria. Na hora, não foi o melhor entusiasmo, claro. Eu estava jogada na cama, de cabelos desarrumados, seminua e assistindo filme de ficção científica.

Só queria continuar ali, estava com preguiça e tudo o mais. É quinta já, o prenúncio do final de semana. Mesmo que todos os meus dias pareçam fim de semana...

Então, considerando isso, era melhor que eu fosse do que continuasse deitada no meu quarto, lidando com o meu enclausuramento.

Confirmei presença, levantei da cama e, outra briga. Para encontrar uma roupa. Um saco, por isso odeio sair de casa. As calças me deixam muito em evidência e odeio vestidos porque minhas coxas são muitos grossas. E tudo é uma droga quando se trata de me vestir.

Mesmo assim, eu tentei levar a melhor nessa. Coloquei uma calça cintura alta, que prendeu minhas gordurinhas no lugar, uma blusa até quase os joelhos, vesti um casaco e pus os meus all star nos pés. O único par que eu tinha e mais adorava dentre todos os sapatos.

Fui no meu pai, que é o único que está tendo algum trabalho em casa, e pedi um valor emprestado. Ele pareceu surpreso por me ver aparentemente arrumada e ainda pedindo dinheiro, mas expliquei que estava indo trabalhar, e isso pareceu tirar a confusão do seu rosto.

Em minha viagem de 20 minutos, fui pensando em tudo que poderia dizer. "Oi, eu faço o que de melhor vocês precisarem". "Olá, eu tenho facilidade em aprender". "Hey, eu me adapto em qualquer cargo". Mas nada disso parece uma boa ideia a se dizer quando você está indo sem saber o que vai fazer.

Não que seja culpa minha. Eu me vi desesperada para trabalhar em qualquer área. Meus pais estavam loucos há dois anos. Me chamando de preguiçosa e que eu só queria ficar em casa, na cama, sem fazer nada. Eu tinha acabado o colégio – e graças a Deus por isso, sem mais bullying em meus dias –, então o que mais faria? Eu mandei currículos feito uma desesperada, para todas as vagas que consegui.

Em certo tempo, eles desistiram de me atormentar por eu me trancar no quarto. Eu não saía, só pela madrugada, para comer, quando eles já estavam dormindo. Certa vez, os ouvi conversando sobre eu estar com depressão e não ter um namorado.

Não estavam totalmente errados. Não ter um namorado realmente me angustiava pelo fato de acreditar nunca conseguir um. Os garotos da escola me colocavam inúmeros apelidos maldosos e, em uma fase que todos estavam se dando em namoro e descobrindo as coisas da vida, eu tive de me esconder e passar despercebida para, se desse sorte, não ser o alvo da chacota diária.

Mas não estava com depressão. Eu não tinha nenhuma tristeza profunda ou coisas assim. Só estava apreciando a paz que tanto quis em anos e o silêncio bem vindo. Nada de risadinhas e cochichos em minha direção. Nunca mais. Depois de anos ouvindo a mesma coisa, um ser humano pode cansar.

Hoje em dia, minha relação com meus pais é tranquila. Eles aceitaram a minha realidade, mas a deles tem um atrito severo. Passaram a nem se cumprimentar, mesmo que estejam no mesmo cômodo. Não sei se tive a ver com isso, mas não me sinto culpada.

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