Capítulo 4

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Me jogo em minha cadeira e volto os olhos para Aurora. Ela fica parada perto da porta, tendo um olhar inusual. Eu não sei dizer, e não estou me referindo a cor deles. Que, apesar de também não serem muito comuns, nesse cinza fosco, não é o que me deixa intrigado. Ainda assim, tem algo nela que intriga.

— A Jeny preencheu sua ficha de admissão — pego o envelope do outro lado da mesa e tiro a folha de dentro, deslizando para o lado de Aurora. — Veja se há algo que não está de acordo.

Ela se aproxima depressa, se inclinando para ler ao invés de pegar a folha e sentar na cadeira vazia que existe ao seu lado. Não sou eu que vou dizer para ela fazer o óbvio, então apenas aguardo.

— Estou bastante de acordo — ela se endireita.

— Assine na primeira linha, rubrique embaixo — passo uma caneta a ela. — Nós temos algo importante para fazer hoje. Tenho uma encomenda especial.

Aurora deixa a caneta na mesa depois de terminar e volta para a sua posição anterior, me esperando continuar.

— Meu tio vai completar ano de casado e blábláblá, aquela baboseira toda que você sabe — continuo. — Meu primo, o filho dele, me pediu um bolo, mas eu estou com a cabeça bem cheia para pensar em algo legal...

Aurora continua me olhando, o que me faz erguer as sobrancelhas.

— Imagino que você tenha algo para sugerir? — pressiono.

— Ah, eu? — ela se mostra surpresa, passando o olhar por todo lugar que não seja em minha direção. — Talvez fosse legal fazer um bolo em esfera, brilhante, para colocar em cima do bolo quadrado.

Estreito os olhos.

— Isso é significativo? Porque na minha cabeça não ficou legal não…

— Pense que — ela dá um passo a frente, de repente empolgada. Suas mãos gesticulando, me explicando: — a esfera é um simbolismo para o céu, a lua, as estrelas, enquanto o bolo quadrado representa a Terra. Uma forte união desses dois acontece para que o mundo que conhecemos exista.

— E o que isso tem a ver com um casamento, Aurora?

Ela dá um sorriso torto e quase me ofende. Está rindo da minha falta de senso crítico.

— Um casamento é um elo de dois lados, assim como entre o universo e a Terra. É trabalho em conjunto para que funcione e, no menor dos deslizes, pode acontecer uma catástrofe — diz, abrandando o gesticular das mãos.

— Ah, isso faz mais sentido, com certeza — sorrio. — Tá aí uma perspectiva que eu não veria com meus próprios olhos. Você é casada?

Sua risada, então, me deixa confuso. É uma risada tão alta que parece que estão fazendo cócegas nela. Mas Aurora se controla tão rápido que me deixa em dúvidas se realmente riu.

— Eu não sou casada — responde.

— Por que achou tão engraçado? Você é vida louca?

Ela ri de novo, mas tampa a boca como um incentivo para parar. Balançando a cabeça, ela nega.

— Não sou vida louca, eu apenas achei uma pergunta engraçada. Desculpe.

— Eu presumi que fosse por explanar tão bem sobre uma união amorosa. Mas enfim — me levanto, indo até a porta —, vamos começar o bolo. Meu primo deve vir buscar ao fim do dia.

— Ele tem alguma preferência de sabores?

— Se der para comer, já está ótimo para todos — me viro para sorrir para Aurora, a tempo de ver que ela está olhando para o meu traseiro. Sei o porque disso. Jeny já me explicou que a minha bunda atrai a atenção feminina, o que não faz qualquer sentido para mim. — Não é minha especialidade, mas vou fazer o bolo junto com você. É importante para o meu primo essa minha… participação.

Aurora assente, não me dando muita bola. É quando percebo que o que falo realmente não deve ter importância para ela. Desde ontem, quando me esbarrei nela e ela pareceu nem aí, até o momento que Jeny nos apresentou e ela ia saindo depressa, como se não fosse nada importante; então, quando a levei em minha sala e ela voou da minha frente e, inclusive hoje, quando fui procurá-la e a encontrei vermelha que nem pimenta ao lado de Joshua, me tratando com desdém por ter interrompido seu flerte.

Isso quebra a minha autoridade. Aurora é mais um Will? Quero dizer, ela vai descartar que sou o chefe e tenho autoridade, assim me tratando como um qualquer?

Meu tio Santiago já havia me dito sobre isso. Bondade demais causa confusão nas pessoas, Alan. Eu nunca tinha entendido exatamente o significado disso. Até agora.

O antigo confeiteiro não me respeitava e nem a ele mesmo, faltando no trabalho sem parar e dando desculpas a vida toda. Jeny também pode ser inclusa nesse pacote. Apesar de ser uma ótima auxiliadora, constantemente ela tira a mão da noção e extravasa. E agora a nova confeiteira. É o segundo dia dela e já está assim, o peito estufado, me esnobando.

Freio os passos no meio do caminho, enquanto ainda estamos no corredor vazio. Me virando para Aurora, quase nos esbarro por uma segunda vez.

Seus olhos cinzentos se abrem mais, confusos, enquanto me fitam. Ela deveria estar confusa mesmo, por achar que pode se comportar com tanta altivez de espírito com o chefe.

— Acho que falamos sobre muitas coisas, menos sobre o primordial — inclino o rosto, tentando o contato olho a olho. — Quando eu disser algo para você, exijo a sua atenção. Eu sou o chefe e o que sai da minha boca não são palavras vãs.

Sua confusão parece aumentar, o que também testa a minha própria paciência.

— Não finja que não sabe do que estou falando — a advirto.

— Sim, senhor.

Estreito os olhos, me afastando devagar.

Aurora continua me encarando e acho que gostei disso. Sim, senhor. Todos os funcionários poderiam expressar seus erros dessa forma, mostrando que entendem a hierarquia.

— Ótimo, então estamos entendidos. Vamos ao que interessa.

Volto a caminhar, só ouvindo Aurora me acompanhar segundos depois. Acho que ela conseguiu entender agora como deve agir.






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Tem q conferir se Aurora tá bem dps desse encarar

😏

Alan, Alan... digo é nada

À Deriva do Amor (NA AMAZON) #4Onde histórias criam vida. Descubra agora