Capítulo 1

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Os meus olhos estão vidrados nele. Estou em cima do capô de um táxi e não consigo alcançar o chão com os meus pequenos pés. Ele pesa seu corpo sobre o meu, enquanto eu tento desviar dos beijos forçados no canto da minha boca. Sua respiração ofegante em cima do meu rosto lembrava-me o quanto eu odiava seu hálito. As mãos ásperas arranhavam a minha pele. Eu não tinha se quer forças para dizer não.

Mas eu acordo e era só um pesadelo. Enquanto minha vista ganhava uma pouco mais de nitidez percebo que era apenas o mesmo pesadelo de sempre. Aquele que me transformou na mulher que sou hoje. A história que sempre quis apagar da minha memória e também a história que nunca ousei contar a ninguém. O que posso dizer? A minha vida sempre foi fodida pelas pessoas ao meu redor. Tive que aprender a me virar muito cedo, mesmo com toda a confusão na minha cabeça.

Confesso! Não sou uma pessoa tão fácil de lidar, mas a quem mais posso culpar se não a todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para ferrar a minha cabeça? Meu temperamento é áspero, assim como as minhas atitudes. Apesar de tudo, acho que foco nos meus objetivos, para então superar toda a merda que vivi até agora. Sonhar me distrai dos pesadelos.

Desde pequena, eu passo por um ritual pós banho. Eu passava horas em frente ao espelho, e hoje era mais um desses dias. Eu me virava para o espelho grande que ficava na porta do meu armário e me encarava nua por quase 20 minutos. Eu me analisava em cada caminho, cada marca, cada cicatriz da infância indômita, cada pedaço do meu corpo inexplorado. Eu não gostava muito do que via. Cada pedaço me parecia estranho. Sim, eu tenho neurose com meu corpo desde... Desde sempre. A questão é que eu preferi viver a me preocupar com tudo aquilo. Então, quando completei meus 15 anos superei a vergonha de ficar de biquíni na frente das pessoas. Eu realmente comecei a aprender a me aceitar, o que não significava gostar do que eu vejo. Gosto de academia, mas não passo muito tempo por lá. Nunca quis aquele corpo sarado das mulheres típicas cariocas, bundão, peitão, pernão. Eu apenas queria um corpo bem cuidado, com um formato que me agradasse. Sou magra, porém com aquelas gordurinhas clássicas, herança de família eu diria. Vivo no cuidado para não chegar aos 60 kg, já que não sou muito alta, qualquer quilo a mais me deixava com um rosto redondo. Meus olhos castanhos bem escuros me lembram dos olhos do meu pai, principalmente em ambientes de pouca luz, quando ele fica quase que completamente negro e eu particularmente odiava isso. Minha pele morena me entrega totalmente como carioca raiz, e ver minha pele brilhar sob o sol não me incomodava nem um pouco. Não sou bronzeada de praia, minha cor é mais um estilo morena de andar na rua em um sol de quarenta graus no Centro do Rio. Para não dizer que sou a total neurótica do século 21, posso afirmar que gosto do meu cabelo. Tem um comprimento que chega quase até a cintura. Liso e faz umas ondulações que algumas vezes eu adoro e outras eu odeio, então estou sempre arrumando um jeito de alisá-los. Sempre gostei de inovar nas cores. Hoje, uso um loiro platinado que realça bem o humor ácido de cada dia, e sinceramente? Combina com as minhas 14 tatuagens espalhadas pelo corpo. Ou seja, um visual um tanto que representado pela rebeldia.

Reparo nos meus pequenos seios que sempre enganam com um sutiã de bojo bem avantajado. Sim, eu sei que é ridículo toda essa neurose com o meu corpo! É que na realidade, isso é uma longa história.

Meu nome é Layza Martins e sou do tipo que não sabe lidar muito bem com pessoas, o tipo de poucos amigos. Não tenho muito tempo para convívio social. Minha vida se resume a arrumar um emprego ou tentar pagar as contas. Tenho algumas válvulas de escape que me distraem dos problemas da vida, como a dança contemporânea, por exemplo. Acho que é o único momento de prazer que tenho na semana. Quando chega a quarta-feira corro do trabalho direto para academia onde pratico as aulas de dança. O resto do meu tempo eu gasto pintando meus quadros ou cuidando dos meus bichos, mas se existe algo que eu goste muito de fazer é de escrever. Gasto horas deixando meus pensamentos em um papel.

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