Capítulo 2

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Depois daquela overdose de series da madrugada e algumas repetidas saideiras, fomos dormir. No meu quarto estava o meu amigo inseparável, o Bruce. Bruce é o meu vira lata de cor amarela. Toda vez que olho para o Bruce, lembro-me daqueles olhinhos de quando eu o encontrei na rua todo machucado e com as patas inchadas. Não hesitei e o adotei. Ele foi tratado com muito amor e logo já estava correndo pelo apartamento. O Bruce é do tipo de cachorro independente até demais. Ele faz tudo sozinho, ele se cobre quando está com frio, ou às vezes, quando deixamos a TV ligada na sala, é muito comum encontrar o Bruce deitado no sofá, assistindo o que estiver passando, o que é um tanto que assustador. Tenho a impressão de que qualquer dia desses o cachorro vai me olhar e discutir sobre política comigo.

Não demora muito e o Bruce se enrola comigo no edredom. Infelizmente, sempre sofri para dormir, eu demoro aproximadamente uma hora até meus olhos começarem a querer se fechar, muitos pensamentos me assolam durante a noite. Por isso, preciso programar meu horário de sono corretamente, caso contrário, no dia seguinte, eu pareço um trapo humano. O sábado havia finalmente chegado e eu estava radiante. Levantei às 11 da manhã e corri para cozinha para preparar um belo café da manhã. Satisfeita, cheguei até o banheiro para escovar os dentes e tomar um banho demorado. Afinal, eu merecia depois de todo aquele sofrimento com o senhor Psicótico. Não demora muito e a campainha já toca e sei que é a minha mãe que veio para irmos almoçar e jogar conversa fora. Me arrumo rápido, mas já é o suficiente para a minha mãe começar a varrer a casa, tirar o pó, entre outras coisas.
– Para com isso mãe! – Falei alto pelos corredores. – Não precisa fazer isso, sério! Nós temos a tia Rosa que vem toda quarta limpar a casa.
– Toda quarta? Você quer dizer, só as quartas, né? De onde já se viu uma casa ser limpa uma vez por semana?
– Casa de jovem é assim. – Argumentei dando risadinhas.
– Casa de porco é assim! – Minha mãe retrucou.
– Mãe! Que horror! – Caímos na risada.
– Então é casa de pão duro porque eu sei que vocês podem sempre dar um jeito. Vocês arrumam jeito para tudo, só não arrumam para pagar uma faxineira? Ah, faça-me o favor.
– Mãe, larga de ser cri cri, vamos que estou faminta.

Entrei na velha uno vermelha da minha mãe e nos direcionamos ao nosso espaço favorito na Barra da Tijuca. Chegando à Barra, decidimos passar na casa do meu pai e pegar o Hugo. Quem sabe ele gostaria de comer um Petit Gateau conosco. Ao estacionarmos no condomínio do meu pai, percebi que minha mãe se paralisou um pouco. Com a voz embargada ela me disse:
– Você chama seu pai. Não fala que estou aqui. Não quero ver esse crápula nem a 100 metros de mim.
– Mãe, vocês realmente precisam parar com isso, de uma vez por todas. É sempre assim. Por favor, evita falar do meu pai para o Hugo, tá?
– Dona Layza, desde quando o meu bom senso falhou?

Eu revirei os olhos e saí do carro. Toquei o interfone e meu pai atendeu logo em seguida. Quando meu pai disse meu nome, ouvi meu irmão gritando de felicidade ao fundo. Perguntei ao meu pai se poderia levá-lo para almoçar com a minha mãe e eu. Engraçado que toda vez que eu falo da minha mãe para o meu pai, ou vice e versa, eles me parecem muito ligados ao passado, sempre constrangidos, evitando falar o nome do outro. Eu acho engraçado, mas nunca questionei nenhum dos dois. Quando falei a palavra "mãe", meu pai ficou em silêncio por uns 5 segundos, de maneira que foi necessário que eu o chamasse de novo para que ele pudesse voltar ao planeta Terra. Meu pai permitiu que o Hugo viesse conosco e então fui esperar no carro. Não passaram 3 minutos e meu irmão apareceu correndo entusiasmado para me abraçar. Saí do carro e o agarrei com muita força enchendo aquele rostinho rosado de beijos. Meu irmão sempre dá risadas quando eu faço isso. Em uníssono dissemos um para o outro:

– Um dia você vai achar is...
– Já sei! Um dia eu vou achar isso um saco! – Ele disse revirando os olhos.
– É e eu vou ficar arrasada porque você só vai querer saber de videogames e garotas com silicone.
– Mana, eu já sou viciado em videogame e você nem precisa se preocupar. Você sabe muito bem que eu não reprimo minhas demonstrações de afeto por medo do que os outros vão achar. Eu sempre vou te tratar assim porque gosto de estar com você. – Ele disse com um tom divertido, com a mão no seu peito, fazendo cara de galã de novela.
– Sempre com as palavras na ponta da língua, né? Também te amo pirralho! Agora vamos antes que meu estômago coma meu fígado de tanta fome.
– Cê sabe que isso é humanamente impossível né? – Disse Hugo, ao entrar no carro, fazendo sua típica cara de debochado.
– Ah garoto, isso foi uma metáfora! – Empurrei a sua cabeça de volta para o banco de trás.
Dando muitas risadas, pegamos a Avenida das Américas, direto para o nosso trailer favorito, na praia da reserva da Barra da Tijuca

A comida estava uma delícia, pedimos um risoto de camarão e devoramos em poucos minutos. Após comer a sobremesa decidimos descer até a areia e molhar nossos pés no mar. O Hugo adorava a praia. Toda vez que chegávamos ele corria para o mar, deixando a blusa e a bermuda pelo caminho. Como sempre, a minha mãe avisava para ele tomar cuidado. Ela repetia todas as vezes:
– Hugo, você toma cuidado hein, o mar não tem cabelo para você se segurar!
– Pode deixar tia! – Hugo gritou, correndo em direção ao mar.

Ficamos ali sentadas, olhando a felicidade do meu irmão ao brincar na água, chutando uma bola invisível, pegando jacaré e tomando altos caixotes. Eu e minha mãe morríamos de rir, então, como em um estalo, um pensamento veio a minha cabeça. Esse era um daqueles dias perfeitos em que não podemos reclamar de absolutamente nada. O dia estava impecável, não estava calor e nem ventando. O sol mal queimava a pele, estava uma temperatura perfeita para aquecer o corpo. Não havia uma nuvem se quer no céu. Só existia aquele imenso manto azul. O mar estava calmo como um lago e claro como cristal. O dia estava realmente raro, parecia abençoado. Nunca fui religiosa, mas sempre acreditei em Deus, e naquele momento, eu parei, olhei para o céu e agradeci a Deus por aquele dia tão maravilhoso.

Por volta das quatro horas da tarde, já estávamos exaustos. Arrumamos nossas coisas e partimos para levar o Hugo para casa. Ao deixá-lo, ele abraçou minha mãe com muita força e disse:
– Fico feliz que a senhora seja mãe da minha irmã, Tia Silvia. Também não seria nada mal se você fosse a minha mãe.
– Meu amor, eu te amo com um filho, você sabe disso. – Ela respondeu. - Sua mãe te ama muito também, você pode ter certeza disso, mas olha, com relação ao seu pai... Vixe! Esse aí, eu dispenso.
Eu não acredito no que ela tinha acabado de dizer.
– Mãããããeeee!!! – Reclamei.
– Que foi? – Ela perguntou dando de ombros e causando uma gargalhada contagiante no meu irmão.

O Hugo me abraçou, disse que me amava e correu para a portaria do prédio. Esperamos ele subir e seguimos para casa. Ao chegar em casa, tirei correndo as minhas roupas para tomar um banho e percebi que fiquei com uma leve marquinha de biquíni e confesso que gostei. Minha mãe, como sempre, já estava catando minhas roupas e botando dentro de uma sacola grande para que ela pudesse levar para casa e lavar. Dei um abraço apertado na minha mãe e ela foi embora na sua velha Uno. Me tranquei no quarto, abri o laptop para checar alguns e-mails e ligar a playlist que eu já estava pré-selecionada na minha conta do spotify – momentos de relaxar. Ao ligar o som, a voz de James Hetfield, vocalista do Metallica, dominou o meu quarto. Ao checar minha caixa de correio eletrônico percebi que havia recebido alguns e-mails da agência de viagem, me cobrando a parcela do mês passado.
Merda! Como eu pude esquecer?
Também, com tanta coisa na cabeça, não é para menos para uma pessoa que parece ter Alzheimer aos 25 anos. Entrei no site do banco e notei que tinha somente 145,57 na minha conta.
Acho que terei que ficar negativada por um tempo.
Paguei a agência sem me esquecer de que em seis dias eu teria que pagar novamente mais uma parcela.

Peguei o celular e liguei para a minha mãe.
– Pois não? – Minha mãe respondia sempre séria demais.
– Caramba mãe, você já tem meu número anotado aí há milênios e você sempre me atende com "pois não"?
– Ah Lay, você sabe, estou dirigindo e não vejo quem liga quando estou dirigindo. A propósito, você sabe que odeio falar no celular dirigindo, mas me diga. O que foi?
– Ah nada. Queria saber como você está e se chegou bem. – Meu tom de voz era calmo, quase agudo.
– O que você quer senhorita Layza?
– Rá, você me conhece hein, minha velha?
– Velha é a sua mãe.
– Falando nela, então, você poderia fazer o favor de pedir a ela um dinheirinho emprestado? Diz que eu devolvo mês que vem, pois receberei o dinheiro do quadro que vendi para Dona Sônia e logo pago a ela de volta.
– Lay, Claro que você pode me pedir o que você precisar minha filha. Você sabe que estou sempre aqui para te ajudar. De quanto você precisa? Mas você sabe o que eu penso... – Eu sabia que minha mãe iria iniciar o discurso de – "Você nunca deveria ter saído de casa, lá você estava bem, com seu dinheirinho, alimentada e sempre limpinha..." Então eu logo a interrompi com o pedido.
– Preciso de 732 reais.
– O que?!?!? – Minha mãe gritou no telefone de um modo que precisei afastar o ouvido. – Layza Martins, para que você precisa dessa fortuna?
– Ah mãe, é uma longa história, eu ainda não te contei. – Hesitei. – Na realidade, você não ia gostar. Acho até que vai surtar.
– O que é? Pelo amor de Deus, fala logo. Você está devendo alguém?
– Sim. Tô! De certa maneira.
– Quêêêê?!?! – Ela parecia estar à beira de um surto. Tive a sensação que matei minha mãe, então decidi ir direto ao assunto.
– Não mãe, calma. Então, temos que conversar. Vou viajar em julho.
– Para onde? Para Cabo Frio com a Karen?
– Não. Para um pouquinho mais longe.
– Para onde garota? Anda, fala logo!
– Para Nova Iorque.
– Quêêêêêê?!?!?! – Outro grito.

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