Sabia que o diagnóstico seria ruim antes que o médico começasse a falar. Aquele jeito de coçar o queixo. A boca torcida para um lado e para o outro. Os olhos que iam só dos papéis com os resultados dos exames para as imagens da ressonância na tela do computador e de volta para os papéis, ignorando o paciente. Afinal o homem incerto de jaleco branco assumiu seu lugar de médico, e, como quem se desculpa pela inconveniência da má notícia, sentenciou: Câncer. Câncer no pâncreas.
Mas tinha cura? Era grave? Podiam ter esperança? A mulher ia perguntando e lendo os pensamentos do médico, porque não dava a ele tempo para responder. O marido colocou a mão em seu braço, pedindo silêncio. A palma estava fria, mas a voz saiu segura:
– Deixa ele falar, meu bem.
E o médico explicou uma sopa de letrinhas que mais parecia código de Batalha Naval: T4, N1, M1. Adeus, Porta-Aviões. Todo o tratamento seria paliativo. O estágio era irreversível. O médico terminou sua exposição e ficaram os três em silêncio. A mulher tentava não chorar (falhava), esperava uma palavra do marido. Ele pensava.
Pensava em Deus.
Era funcionário público. Assistente social do Conselho Tutelar. Líder de um pequeno grupo religioso. Em sua maioria evangélicos, mas havia espíritas, católicos, mesmo alguns da umbanda e do candomblé. Ele recusava termos limitadores ou excludentes. Dizia que era uma congregação para estudo dos Evangelhos e aplicação da Palavra de Deus no mundo. Sem ligação com grandes igrejas. No começo, as reuniões ocorriam na sala da casa onde morava, apenas com a mulher, os três filhos, vizinhos, amigos, parentes próximos. Mas ele falava bem, tinha presença, conhecia as Escrituras sagradas, embora não fosse de arrotar erudição quanto a nada disso. Assistir às suas preleções (não gostava do termo "sermão") era como um arrebatamento: os presentes riam de algumas histórias, choravam com outras. Sentiam-se acolhidos, pertencentes.
Assim, o número de pessoas aumentava e ele reorganizou a garagem. Construiu um púlpito. Comprou cadeiras. E mais pessoas vinham, a cada assembleia. Conversou com a mulher, alugaram um imóvel comercial. Muitos da congregação insistiram em ajudar a pagar pelo espaço. Resistiu à ideia, mas aceitou, com algumas condições: a primeira, de que ninguém seria constrangido a contribuir. Os irmãos que não pudessem ou quisessem colaborar não deveriam ser vistos ou tratados de forma diferente. Não haveria preferidos, ali eram todos iguais. A segunda: qualquer dinheiro que sobrasse das doações seria aplicado em iniciativas sociais: alimentação e roupas para os pobres, campanhas de sopa, de compras de remédios. Fariam uma caridade honesta e justa, sem se ufanar.
Ninguém discutiu.
Os encontros já reuniam quase uma centena de pessoas. Ele conhecia todos pelo nome. Ia pessoalmente se apresentar ao identificar um rosto novo, mulher ou homem, criança, adulto ou velho. As pregações eram sobre aceitação, sobre amor ao próximo. Sobre o templo de Deus estar dentro de cada um. Não criticava as doutrinas de prosperidade que outras igrejas pregavam, mas esse tipo de discurso não tinha lugar em sua congregação: considerava uma forma de barganhar com Deus, quando a vontade do Senhor, acima de tudo, deveria ser respeitada e seguida.
Também não censurava os que faltavam a reuniões, frequentavam outras igrejas, apareciam de forma esporádica... Insistia que o importante era ter o bem no coração, e praticá-lo. Amar ao próximo. Pensava consigo que era o bastante para alegrar a Deus (e internamente pedia perdão pela audácia de tentar determinar do que Deus gostava ou não).
Enfim. Era um samaritano e tinha câncer no pâncreas. Um tumor maligno em estágio avançado, com direito a metástase. O médico o aconselhou a considerar todos os aspectos práticos envolvidos. Outra maneira de dizer "Vai dando entrada nas providências do enterro, talvez seja o próximo e último grande acontecimento da sua vida".