FILHA DA LUA ⁰²

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- NESTHA ESTÁ GRÁVIDA, - praticamente grito, de onde estou sentada no sofá, na sala de estar de minha casa.

Alguns param de comer e se entreolham, a adorável e insuportável Amren revira os olhos.

- Pois é garota, acontece, - diz ela em uma explicação blasé.

Todos sabiam, menos eu.
Me senti menos importante, eles não me deviam explicações sobre isso, mas... por que era menos importante eu saber?

Tipo, ei, vocês são minha família, eu vivo aqui também, sabe? Compartilhamos as coisas com todos.

- Faz quanto tempo? - pergunto a Nestha.

Ela comprime os lábios e olha para minha mãe, onde ela está no colo de meu pai.

- Dois meses, - responde Nestha por mim.

Dois fodidos meses escondendo que Nestha estava grávida.
De mim, por quê?

- Sinto muito, é que, você não estava bem, e... não queria você distraída, - diz minha mãe.

A dois meses atrás eu estava em uma missão de sobreviva a Cassian, e eu estava bem focada, simplesmente não posso acreditar que deixaram esse fato de lado, apenas porque acharam que iria tirar minha atenção de meus objetivos.

Bebericando meu vinho, dou de ombros, eles voltam suas atenções em suas conversas.
Menos Cassian e meu pai, que trocam olhares e conversam mentalmente.
Típico.

Nyx entra na sala e trocamos um olhar.

- Está tudo bem? - pergunta ele, mentalmente.
- Não. -Repondo.

Ele se aproxima e pega minha mão, me tirando da sala de estar, ele lança um olhar furioso ao meu pai.

Algo não está certo entre eles.

Nyx nos leva em um voo rápido até um restaurante, não muito distante de onde viemos, mas longe o bastante para uma conversa a sós.
Pedimos o prato da casa e esperamos.

Meu irmão observa o sidra, um olhar distante cruza em seu rosto.

- Eu não gosto muitas vezes do modo como ele age, por mais que seja "pelo bem de todos" - diz ele, imitando a voz de nosso pai.

- Ele esconde tantas coisas... e por quê? - Nyx olha para mim.

- Proteção? Foda-me, nós somos os filhos do grão senhor mais poderoso que já existiu, nossa mãe foi feita do caldeirão, assim como nossas tias,  - ele passa a mão pelos cabelos, mechas antes perfeitas caem sobre todo o seu rosto,  - Porra, nossa tia praticamente brinca com os objetos mortais, e o que? Nosso pai tem medo, mas ele trata você diferente, - termina ele.

Nossas comidas chegam e me forço a comer o frango assado e algumas batatas, perdendo lentamente o gosto do vinho antes em meus lábios.

Nyx precisa de ação, como eu, e correr em florestas no escuro, subir montanhas em minutos, já não contêm sua fome por adrenalina e emoção. 

Nascemos em um tempo de paz.

Pode parecer horrível, mas Nyx queria ter lutado na última guerra, segundo ele, teria sido como voar.

Claro que nosso pai não sabe disso.

Eu queria um plano, provocar nosso pai iria ser bom, fantástico.
Muitas coisas o irritam, coisas que ele não queria que existisse mais, mas existiam.

Oh porra...

- A corte primaveril, - largo meus talheres na mesa, Nyx encontra o meu olhar e sorri.

Nosso pai iria cuspir chamas quando soubesse onde fomos, e o que eu iria fazer.

Depois disso, ele teria que cuidar mais de mim, se importar mais comigo.

Nyx sorriu, e eu também, não era um plano.

Era o plano.

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Celebrando o Beltane amanhã, a corte primaveril já iniciava suas festividades antecipadamente.
O que era bom para mim e Nyx, e para  nossas brincadeiras terem sucesso.

Não será um feito extraordinariamente incrível.
Apenas uma pequena diversão, que, com sorte não saberão até ser tarde demais.

Nyx observava minuciosamente os servos e a corte erguendo uma grande fogueira, seus olhos azuis com um profundo violeta o deixavam como parecia, etéreo.

Me movo, de repente me sinto desconfortável.

Isso é errado.
Diz a parte racional na minha cabeça.

Fazer isso com alguém apenas pelo nosso deleite, os outros não merecem pagar pela nossa cotidiana vida tranquila.

- Ei, - Nyx cutuca a testa em sua bochecha, preocupação marcada em suas feições levemente parecidas com as suas.

- Eu... uh, parece chato, poderiamos ir dançar no Rita's com Mor, o que me diz? - ela pergunta, levantando e se esticando do galho da árvore.

- Sim, tudo bem, - ele levanta também, suas longas asas se abrindo, mas então...

- Puta merda, - Hera trava os olhos com o suposto fodido filho de Tamlin.

O jovem a fita atentamente de onde se uniu aos festejantes abaixo, o pátio se transformando lentamente em uma festa.

Seus olhos verdes me examinam minuciosamente, então ele sorri, e consigo ver duas presas superiores.

- Hera, vamos, esquece, - meu irmão me esconde com uma asa, mas não consigo deixar de sentir um último arrepio assim que levantamos voo.

Mesmo depois de estar em casa, em Velaris, ainda não consigo esquece-lo.

Aquele olhar...

Era o olhar de um predador.

Mas eu nunca fui a presa.

Meu coração se contrai involuntariamente, solto um grunhido de raiva e sigo para o banheiro.

O piso gelado causa arrepios em meus pés descalços.

Covarde.
Sussurra minha consciência.

Fechando a porta atrás de mim, puxo meu punhal e sento sobre o chão frio.

Os últimos anos de minha vida vem à tona assim que pressiono o metal frio da lâmina contra minha coxa esquerda.

Os desafios para testar se sou boa o suficiente para ser filha do grão senhor, a pressão sobre ser a melhor em tudo, o medo, a ansiedade de não conseguir completar um golpe melhor...

O sangue escorre lentamente conforme rasgo minha pele, o cheiro acobreado preenche o ar.

E logo em seguida cicatriza lentamente, deixando mais uma pequena cicatriz.

As estrelas piscam no lado de fora, com a vista da minha janela do banheiro, uma névoa noturna brilha ao longe sobre as montanhas, e quando uma estrela cadente atravessa o negro da noite, apenas fecho os olhos e desejo que isso mude.

HERA - fiha da noite Onde histórias criam vida. Descubra agora