Capítulo 3 - Ensinar é uma especificidade humana

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Que possibilidade de expressar-se, de escrever, vem tendo a minha curiosidade? Creio que uma das qualidades essenciais que a autoridade docente democrática deve revelar em suas relações com as liberdades dos alunos é a segurança em si mesma. É a segurança que se expressa na firmeza com quem atua, com que decide, com que respeita as liberdades, com que discuti suas próprias posições, com que aceita rever-se.

Segura de si, a autoridade não necessita de, a cada instante, fazer o discurso sobre sua existência, sobre si mesma. Não precisa perguntar a ninguém, certa de sua legitimidade, se "sabe com quem está falando?" Segura de si, ela é por que tem autoridade, porque a exerce com indiscutível sabedoria.

3.1- Ensinar exige segurança, competência profissional e generosidade  

A segurança com que a autoridade docente se move implica uma outra, a que se funda na sua competência profissional. Nenhuma autoridade docente se exerce ausente desta competência. O professor que não leve a sério sua formação, que não estuda, que não se esforce para estar à altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar as atividades de sua classe. Isto não significa, porém, que a opção e a prática democrática do professor ou da professora sejam determinadas por sua competência científica. Há professoras cientificamente preparados mas autoritários a toda prova. O que quero dizer é que a incompetência profissional desqualifica a autoridade do professor.

Outra qualidade indispensável à autoridade em suas relações com as liberdade é a generosidade. Não há nada mais que inferiorize mais a tarefa formadora da autoridade do a mesquinhez com que se comporte. A arrogância farisaica, malvada, com que julga os outros e a indulgência macia com que se julga ou com que julga os seus.

A arrogância que nega a generosidade nega também a humildade, que não é virtude dos que ofendem nem tampouco dos que se regozijam com sua humilhação. O clima de respeito que nasce em relações justas, sérias, humildes generosas, em que a autoridade docente e as liberdades dos alunos se assumem eticamente, autentica o caráter formados do espaço pedagógico.

A reação negativa ao exercício do comando é tão incompatível com o desempenho da autoridade quanto a sofreguidão pelo mando. O mandonismo é exatamente esse gozo irrefreável e desmedido pelo mando.

A autoridade docente mandonista, rígida, não conta com nenhuma criatividade do educando. Não faz parte de sua forma de ser, esperar, sequer, que o educando revele o gosto de aventurar-se.

A autoridade coerentemente democrática, fundando-se na certeza da importância, quer de s mesma, quer da liberdade dos educandos para a construção de um clima de real disciplina, jamais minimiza a liberdade. Pelo contrário, aposta nela. Empenha-se em desafiá-la sempre e sempre; jamais vê, na rebeldia da liberdade, um sinal de deterioração da ordem. A autoridade coerentemente democrática está convicta de que a disciplina verdadeira não existe na estagnação, no silêncio dos silenciados, mas no alvoroço dos inquietos, na dúvida que instiga, na esperança que desperta.

A autoridade coerentemente democrática, mais ainda, que reconhece a eticidade de nossa presença, a das mulheres e dos homens, no mundo, reconhece, também e necessariamente, que não se vive a eticidade sem liberdade e não se tem liberdade sem risco. O educando que exercita sua liberdade ficará tão mais livre quanto mais eticamente vá assumindo a responsabilidade de suas ações. Decidir é romper e, para isso, preciso correr o risco. Não se rompe como quem toma um suco de pitanga numa praia tropical. Mas, por outro lado a autoridade coerentemente democrática jamais se omite.

Se recusa, de um lado, silenciar a liberdade dos educandos, rejeita, de outro, a sua supressão do processo de construção de boa disciplina.

Um esforço sempre presente à prática da autoridade coerentemente democrática é o que a torna quase escrava de um sonho fundamental: o de persuadir ou convencer a liberdade de que vá construindo consigo mesma, em si mesma, com materiais que,  embora vindo de fora de si, sejam reelaborados por ela, a sua autonomia. É com ela, a autonomia, penosamente construindo-se, que a liberdade vai preenchendo o espaço antes habitado por sua dependência. Sua autonomia que se funda na responsabilidade que vai sendo assumida.

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