Migração do Silêncio

Capítulo 1 - Partido

1.

Não vá. Há certas coisas que não podemos dizer porque é simplesmente errado. Quão egoísta não estaria sendo se dissesse qualquer coisa? Eu precisarei de você. Essa sensação não desaparece; parece faltar uma parte de mim. Precisarei seguir, incompleto, e não farei nada a respeito. Olho as imagens borradas da televisão sem me importar com nada.

2.

Carlos e eu somos os dois estagiários da firma. Certas tarefas são passadas somente a ele, comparações são frequentes. Eu não quero nenhuma competição. Percebo esses detalhes mas não chego a me incomodar, embora perder esse emprego seja muito ruim para mim neste momento. Não quero que se formem dois lados. Provavelmente nós dois sejamos contratados.

3.

A cada hora observo o meu celular, ansiando pela notificação, a desejada notificação sua. Você não quer conversar comigo. Às vezes sinto que deixar o tempo passar me ajuda, que ao não me comunicar pareço menos necessitado do que realmente sou. Que sentirão saudades de mim. Então, subitamente, sem motivo aparente, sinto medo de não me tornar mais necessário, de ser substituído e deixado de lado.

4.

As conversas pelo celular vão mal. As horas seguem, as tarefas ajudam a afastar os pensamentos, mas sinto um buraco em meu estômago. Não posso mandar outra mensagem, de forma alguma. Eu só quero uma confirmação de seus sentimentos. Guardo o celular no armário, vou ao banheiro, receando que todos estão percebendo que não estou legal. Por um momento desejo que saibam que estou sofrendo e que se apiedem de mim.

5.

Fico ansioso quando você não me responde. Mais um dia sem mensagens. Estou perdendo essa luta. Olho ao redor, ninguém me olha. As máquinas trabalham incansavelmente, vigiadas pelos meus companheiros. Não adianta conversar mais comigo pois não tenho as respostas. E agora que você partiu para estudar e ser gigante não posso mais te incomodar com meus problemas pequenos.