Capitulo 1

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- Hazel, Hazel, Hazel, Hazel... - Disse para o espelho a minha frente. Dizem que quando falamos nosso nome várias vezes para o espelho, ele soa idiota. Neste caso, eu estou realmente me parecendo com uma idiota. Acho que nunca me olhei realmente no espelho como agora. Os olhos são levemente caídos nas extremidades, um pouco vermelho por conta das luzes, sobrancelhas claras com fios fora do lugar. Também tem algumas espinhas aqui e ali, uma olheira por ficar até tarde escrevendo... Tudo sempre foi um problema, todas as "imperfeições" cobertas por maquiagem pesada. Não que eu esteja me sentindo bonita assim, apenas mais leve, talvez livre? Ainda não sei descrever muito bem essa sensação.
Luce entra no banheiro despreocupada com o celular grudado na orelha, lança um sorriso e entra em um dos reservados, não a julgo por estar sempre no celular mas acho que tem horas e lugares para eles e o banheiro não é uma opção.
- Como andam as coisas com Raí? - Pergunto enquanto me arrumo para à aula de educação física.
- Ah você sabe, a mesma merda de sempre. Ontem peguei ele falando com outra garota, pode me chamar de louca mas tenho certeza que ele está transando com ela!
- Mas o que você ouviu?
- Eles estavam marcando de se encontrar na biblioteca para um trabalho de física, pensam que me enganam. - A porta do reservado se abre de supetão, Luce aparece só de bermuda e sutiã; com os olhos semi cerrados ela continua - sei bem que essa física não se trata apenas de Einstein ou Newton!
- Você é louca!

Nada é mais reconfortante que sentar para almoçar no banheiro do colégio. Ok, isso não é nem um pouco legal, meio solitário eu diria mas pense por outro lado, aqui ninguém iria rir de mim por eu simplesmente estar comendo. Nem tudo no mundo são flores e o ensino médio me ensinou isso da maneira mais cruel que pode. Sem Luce eu não seria nada, ela não é a melhor amiga que se poderia ter mas é tudo o que tenho, não tenho o direito de reclamar.
- LalaLuce chegou.
- Terceira porta! - Gritei com a boca cheia e abrindo a porta com os pés.
- Pensei que tinha dito que pararia de comer no banheiro, não é higiênico. Além do mais, você tem que se enturmar um pouco, nem todo mundo te odeia como você pensa.
- Sermão escutado, será avaliado cuidadosamente, espere pela resposta nos próximos anos. - balbuciei minha resposta automática para todos os comentários que me faziam. Nem todo mundo quer socializar ou comer com outras pessoas, não faz sentido obrigar alguém a fazer isso contra sua vontade.
- Hazel, você prometeu.
- Na verdade, só te disse aquilo pra você começar a falar sobre outras coisas, poderia fazer isso agora se possível?
- Se continuar assim, só terei eu no seu velório! Come logo que o sinal já vai tocar. - Levantou-se irritada e saiu reclamando algo pra si. Eu gostaria sim de ser diferente, ter amigos e pessoas para irem ao meu velório quando eu morresse mas pra alguém com mais de mil seguidores nas redes sociais é fácil falar.
Me levanto e saio com a bandeja na mão assim que o sinal toca, a cabeça baixa me acompanha por todas as atividades escolares até o final delas. O dia não poderia ter sido mais horrível.

Por preferência, escolho o ponto de ônibus mais longe e com poucas pessoas, assim ninguém me perguntaria algo ou dissesse coisas idiotas pra eu rir de forma educada. Meu celular já abre no aplicativo de música de forma automática, como se estivesse lendo meu pensamento, toca a playlist mais escutada por mim até então. A chuva leve deixa tudo mais interessante ao meu ver, uma boa música e uma chuva leve? Me chama que eu vou.
Entro no ônibus e me sento no lugar de costume, pego meu livro e continuo de onde parei, nada de novo, nada de surpresas, do jeito que sempre quis.

Ao chegar em casa, abro a porta com o máximo de silêncio possível. Coloco minhas coisas na mesa da cozinha e sigo o pequeno corredor até meu quarto. Com a porta trancada, me sento no chão encostada a ela, torcendo para que ele não tenha me escutado chegar.
Escuto passos largos e pesados no corredor, meus olhos já se enchem de lágrimas. Ele tenta abrir a porta.
- Porque trancou a porta querida? - Matheus pergunta com a pior imitação de boa pessoa que conseguiu.
- Não sei, me diga você! - me arrependi na mesma hora do que disse. Por sua voz, Matheus já estava mais que bêbado, como eu conseguia piorar as coisas em questão de segundos?
- É melhor abrir essa merda antes que eu arranque da parede e te faça comer sua gorda nojenta! - resmungou colado na maçaneta com a voz abafada e assustadora. Respiro fundo e destranco a porta, ele abre em um solavanco. Seu rosto não diz nada além de raiva, eu só não entendia. Raiva do que, pra que? O que tenho que faz ele me odiar tanto?
Ele tira o cinto da calça, me empurra na cama e sinto o primeiro golpe, o primeiro é sempre mais doloroso. Ele me bate por poucos minutos até a porta da frente se abrir, me pareceram horas. Apenas lembranças de vários dias levando surra apenas por existir no mesmo planeta que ele. Ele sai como se nada tivesse acontecido e fecha a porta, tudo o que me resta é a dor e marcas do cinto por toda a pele.
Não consigo me levantar da cama, fico ali, deitada e chorando pelo resto do dia até finalmente cair no sono, não antes de ouvir mamãe gemendo com esse nojento no quarto ao lado, será que ela simplesmente ignorou que não me viu o dia todo ou ele só a manipulou pra que nem pensasse na filha? Isso eu realmente não sei.

O celular desperta as 5 da manhã, tudo na sua devida normalidade. Após me despir no banheiro, me observo nua no espelho. Os novos hematomas disfarçam as antigas cicatrizes, os olhos parecem ainda mais caídos e as olheiras ainda mais profundas. A água quente ajuda a diminuir a dor e o inchaço, cubro os hematomas do rosto com muita maquiagem e o corpo é coberto por roupas pretas.
- Bom dia querida, fiz panquecas quer algumas? - mamãe pergunta beijando o alto da minha cabeça. Sinto afeto nesse momento, sinto amor, saudade, compreensão... Pena que durou meio segundo.
- Claro! Vou pegar o suco! - respondo entusiasmada. Comemos e conversamos, dando risada e nos divertindo. Por mim, o dia inteiro poderia ser essa manhã.

* * * *

Leitores maravilindos, devem estar se perguntando, o que houve com Hazel? Bom, Hazel cresceu e está revendo suas histórias escritas na adolescência. Ok, brincadeira sem graça. De fato, minhas histórias publicadas aqui são de 2014/2015 estava mega empolgada em leitura e escrita naquela época que escrevia e já postava, sem revisão ou contexto. Pois agora vou tentar fazer diferente, espero que alguma coisa tenha mudado na minha escrita em 5 anos pra eu estar reescrevendo minhas histórias. Vou apenas apagar algumas coisas, aumentar outras, mudar alguns nomes... dar personalidade para os personagens, sinto que não fazia isso muito bem na época, espero ter evoluído nessa parte e fazer dar certo, por favor me dê o feedback de como as coisas estão indo agora, obrigada por tudo.

Hazel & Trace (REVISANDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora