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— Matem todos! Matem ela! — O Rei grita, bravo e quase espumando raiva pela boca. a

     Eu levo minha mão direita às minhas costas, pego uma flecha, empunho no arco e miro em seu coração. Tudo isso acontece dentro de três segundos e sinto como se o tempo corresse em câmera lenta. A flecha que atiro tem apenas um destino: o coração do Rei. Neste meio segundo em que ela caminha pelo ar até ele, nossos olhos se encontram e vejo a raiva que transborda seus olhos — e eles refletem a raiva que transborda os meus. Eu não estou realmente pensando porque minha parte racional não atiraria para matar ninguém. É o desespero que controla meu corpo. É o medo, principalmente o medo, que move meus braços e faz meu coração bater. Prendo a respiração.

     A flecha nunca chega em seu coração. Ela perfura carne e pele de outra pessoa, de um guarda com nome e família, de um guarda inocente, que se joga na frente do Rei como um bom soldado faria. Seu corpo cai no chão como um saco de batatas. Maldito soldado leal, estúpido.

     Eu engulo em seco e me preparo para tentar de novo. Vou tentar quinhentas vezes se for preciso. Vetturius continua a me encarar como se estivesse gostando de me ver tentar matá-lo. Vamos ver o que ele vai achar enquanto sangra no chão.

      Um empurrão firme joga meu corpo no chão e derruba meu arco longe do meu corpo. Gemo de dor, bem ciente do roxo imenso que surgirá no meu quadril direito. Protejo minha cabeça para não ser pisoteada pela confusão de pés que se arrastam, correm ou chutam perto do meu rosto.

      Os portãos foram abertos — exatamente como eu queria — para os Guardas passarem, e bem, para que eu passe também. Só que tudo é uma confusão de corpos. Os civis, resistentes e guardas se chocam uns contra os outros como borrões de tinta e mal sou capaz de distinguir quem é quem. Rastejo pelo chão até alcança meu arco novamente, e me coloco de pé.

      Acerto o primeiro guarda que se coloca em minha frente bem no rosto com o arco. Bato em cheio a madeira detalhada em sua bochecha direita e o assisto cair desacordado. Eu não quero matar pessoas inocentes, eu só preciso que eles saiam do meu caminho. Essa linha tênue entre matar ou não fica borrada durante o momento — quase completamente apagada, estamos todos lutando por nossas próprias vidas, afinal. Os guardas se defendem com espadas, enquanto o resto de nós, com qualquer coisa que possa machucar.

      Eu vejo os cabelos prateados de Kya balançarem no ar como uma pintura ganhando vida. A forma com que ela derruba guardas sorrindo, plena e feliz, me assusta um pouco — confesso. Ninguém luta melhor que ela, nenhum guarda, nenhum resistente. Ela é a verdadeira arma secreta.

     Bem, ela e seu exército de falsos resistentes que surge das árvores.

     Quando Kya disse que eles ajudariam, eu não acreditei. Quer dizer, eles são serasianos violentos que não dão a mínima para a nossa causa. Porém, Kya é uma comandante com seguidores leais, e ela afirmou que minha conquista beneficia Braken, já que ele acredita que será muito mais fácil me derrubar do que derrubar Vetturius. Isso provavelmente soava melhor na cabeça dela, porque na minha foi péssimo. Mesmo assim, toda ajuda é bem vinda, principalmente se forem pessoas preparadas para lutar e conquistar.

      Os guardas lutam nos empurrando para trás e afastando das grades do Palácio. Dá para ver em seus movimentos que eles não esperavam tanta gente. Mais pessoas se juntam a nós, trazendo qualquer coisa para se defender, lutando por esperança.

— Vamos tomar o Palácio. O palácio! — Eu grito.

     Um guarda tenta me acertar com a espada quando me viro para a frente, mas desvio por um segundo de sua lâmina afiada. Eu bato com o arco em seu corpo, ele apenas cambaleia e acerto um tapa forte em meu rosto, que quase me derruba. Sinto gosto de sangue se espalhar por minha boca, e cuspo no chão — minha mãe amaria ver isso. Eu arrasto meus pés para trás e antes que ele tente me acertar de novo, eu puxo da aljava uma flecha e cravo em seu coração. Quanto mais perto, maior o impacto e pior o estrago. Desvio o olhar de seu rosto, não quero lembrar de como eles se pareciam. Isso se repete por um tempo, e agradeço pelas aulas de combate com Kya e por ser ágil e rápida, difícil de acertar — mesmo assim, meu rosto se enche de hematomas a cada guarda que entra em meu caminho.

Espinhos negrosOnde histórias criam vida. Descubra agora