O cheiro forte de fumaça, queimando os nossos narizes até chegar aos nossos pulmões e apertando com força, ainda continua se espalhando no ar. Isso é a única coisa que faz com que a nossa lembrança do último Halloween, de 2019, não desapareça das nossas cabeças. Naquele dia, eu apenas não perdir o meu filho, consumido pela loucura e a decadência psicótica, todas as famílias da região tiveram suas crianças roubadas. Foi horrível, fez com que o ano durasse bem mais do que o esperado. Para ser sincera, nunca vi trezentos e sessenta e cinco dias parecerem bem mais do que isso. Posso jurar que se transformou em uma eternidade. Neste mês de Halloween, as coisas ficaram ainda piores porque irá completar um ano de que tudo aconteceu, aquelas memórias trágicas que todos tentaram apagar sem sucesso algum.
Aqui é uma cidade pequena, muito menor do que qualquer capital que você possa conhecer. Tudo pelas redondezas dá um bom cartão postal: suas paisagens esbeltas, a natureza mostrando o que tem de melhor, e belas arquiteturas antigas. Caruthust, enraizada e agora servindo de ponto de encontro de motoristas vagantes e caminhoneiros, localidade pequena, como já foi dito. Entre o Sertão e o Agreste, aproximadamente três mil e quatrocentos habitantes. Resumidamente, um município sem muita importância, onde os visitantes vem buscar hotéis vagabundos e bebidas fortes em suas caminhadas noturnas.
Eu nunca conseguiria fugir de Caruthust. Lembranças ruins são como cicatrizes mal curadas, nunca vão sair de você, não importa o que tente fazer. Fiquei presa aqui porque não sei fazer nada além de cuidar da fábrica de algodão do meu falecido avô. Tento em cada maldito minuto que saio do lado de fora lidar com as mães desesperadas, e os pais alcoólatras achando que podem resolver tudo na violência. Para os moradores da região, eu me tornei o alvo de ódio deles, todos querem me culpar por ter perdido os seus filhos, e uma boa parte das famílias eram constituídas com filhos únicos. A maldição começou porque nenhum progenitor conseguiu dar fruto a outra prole.
Caruthust se destaca simplesmente por não desfrutar de nenhum jornal falando sobre os acontecimentos, nós aqui não precisamos disso. Os sussurros e fofocas espalham tudo e qualquer coisa relacionada com nossa região, de casa em casa, de porta em porta, de longe ou perto, nada sai daqui sem que todos saibam. Tudo fica na mente e na memória de todos dentro desse conjunto de casas que não passa de um lugarejo sombrio fazendo parte das estradas do Brasil.
Faltam apenas poucos dias para à noite de Halloween. Me preocupo muito com a segurança de Esmael, o meu garoto de doze anos trancado em um hospital psiquiátrico da localidade. Os dias de visita são os mais difíceis, tento ao máximo estacionar o carro bem longe para que as pessoas não saibam que nós vamos nos encontrar, mas sempre há um deles. Dessa vez, foi uma senhora mal vestida com seus olhos roxos, tremendo seus lábios e apontando o dedo em minha direção, pedindo suas crianças de volta.
O mínimo que eu posso fazer diante daquela alma vagando nas ruas vacilante, tensa, como se alguém estivesse tentando se aproximar dela, desesperada pelo tormento particular com seu rosto pálido e seus dois buracos na face mostrando círculos escuros embaixo deles, é suplicar desculpas ou tentar fugir quando eles ultrapassam a ordem judicial de afastamento.
No hospital, eu encontro o meu garoto: cabelos negros espalhados pelo seu couro cabeludo, sentado em sua cama, olhando para o canto e cochichando consigo mesmo, como se não existisse nada além da sua imaginação perdida.
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Tormento
TerrorSe você acha que conhece o terror, está enganado! Prepare-se para ter medo da própria sombra ao ler este compilado de histórias de terror.