Incêndio

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Eu me sinto morta.
O mais morta que uma pessoa poderia estar.
Aqueles dias mais ou menos seguiram-se de dias péssimos até que só sobrasse isso.
O coração já não sabia mais o que sentir, a mente já não sabia mais o que pensar.
É, parece que eu morri mesmo.

Estranho saber que esse é o meu fim.
Pensei que teria algo haver com uma corda ou algo tóxico que meu pai tem na garagem.
Infelizmente, nada aconteceu.
Tudo foi ficando cada vez mais devagar até que chegasse o fim.

Depois de tudo que aconteceu, não consigo acreditar que esse seja o final de minha jornada.
Todas aquelas lamentações deprimentes de sofrimento e angústia só geraram mais momentos sofridos e angustiantes.
Como prever isso?

Não prestei atenção nesse incêndio se formando.
Quando percebi, a fumaça já havia tomado conta de meus pulmões.
Era impossível respirar.
Meu desespero aumentou com tanto fogo, eu precisava sair de lá, mas não conseguia pedir socorro, nem ao menos procurar por um extintor ou pela saída de emergência.
Por que meu corpo não obedecia? Por que se relutava a escapar?
Fiquei durante muito tempo assim, em meio as chamas.

De pouco a pouco consegui fazer com que meus pulmões recebessem um pouquinho mais de ar.
Tive que aprender a suportar essa situação sabendo que eu voltaria a ficar sufocada novamente.
Achei que estava me saindo bem, aprendendo a brincar com o fogo e que isso era bom, uma nova habilidade.

Eu só não contava com todas as queimaduras de 3°grau, e que meu corpo pararia de me obecer mais uma vez.
Meu peito subia e descia cada vez mais lento.
Eu estava me queimando e novamente não conseguia respirar.

Esse quadro se repetiu muitas e muitas vezes e, o tempo todo, pensei que não seria só o fim da minha vida, mas da minha alma.
Talvez fosse impossível viver fora das chamas e da fumaça depois de ficar tanto tempo no fogo.
Fogo do inferno.
Para quê sair se eu já havia começado a me adaptar a essa realidade?
A resposta era óbvia, mas a fumaça era muito densa e escura para que eu enxergasse.

Não fui feita para definhar num incêndio.
Não é porquê eu me acostumei àquilo, que esse seja o meu Granfinale.
Meu destino não pode ser esse.

Tive que me agarrar a qualquer coisa para ter forças de caminhar.
Ao abrir a porta que levava até a saída, a claridade invadiu os meus olhos.
Sentir o ar puro entrando pelas minhas narinas foi avassalador. Nunca pensei que algo tão simples como respirar fosse gerar uma energia tão forte e ao mesmo tempo tão assustadora.
Senti vontade de voltar para o conforto incendiário, cheio de estalos e cinzas.

Olhei para minhas mãos, depois para meus pés.
Eu não era mais a mesma.
Ao levantar um pouco mais os olhos pude avistar as escadas de emergência que me levariam para longe desse inferno.
Eu estava cansada e parecia ser muito muito longe.
Fechei a porta.
Talvez não fosse melhor ficar onde eu estava?
Sei que não era um lugar ideal, mas não é tão ruim quanto parece.
O fogo tem sua beleza.

Eu queria ir embora, mas não conseguia.
Ficar atrás da porta era mais seguro. Caso ocorresse uma parada respiratória, era apenas abrir uma pequena fresta.
Desse modo nunca me afastaria do incêndio.
Que loucura.

As chamas me ninavam.
Eu estava com medo.
Mas de quê?
De quem?
De mim?
De tudo.
Medo da exclusão e da solidão.
E eu tentava reprimir todos esses sentimentos ruins apenas tentando não pensar muito neles.

Eu poderia continuar com aquela porta trancada até que o oxigênio acabasse, que eu perdesse a consciência e os meus órgãos parassem até meu corpo virar pó.
Eu poderia fazer isso, eu posso fazer isso.

Mas eu quero isso?
Eu não sei.
Não trouxe um manual de incêndio.
Já não sou capaz de me salvar, essa aventura chegou ao fim.

Eu não quero ir.
Eu preciso ir.
Não quero viver.
Eu preciso respirar.
Não.
Eu não quero.
Mas preciso.
Preciso aceitar.
Mas não quero.
Não preciso.
Preciso sim.
Queima, é inevitável.
Eu já vou.
Aconteceu.
Eu morri.
Minha alma se foi.
E eu também.

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⏰ Última atualização: Jul 28, 2021 ⏰

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