Uma densa névoa paira sobre nós. É o dia seguinte ao atentado contra a rainha Isabel Crux. Obsessivas e nauseantes memórias do dia anterior me perseguem. Os gritos desesperados da rainha, e seu posterior silêncio, foram substituídos por um som macabro oriundo dos sucessivos impactos entre a cabeça dela e uma rocha. Na tentativa de impedir que a rainha, em movimentos compulsivos, continuasse a bater sua cabeça na rocha, segurei-a até que o príncipe Sebastian, acompanhado dos soldados, chegasse. A lembrança do berro animalesco da rainha me atormenta e isso, associado a condenação que está preste a acontecer, me faz adentrar em um raciocínio obscuro. Na praça pública, a multidão em urros simultâneos exige a execução do homem albino enquanto ele é arrastado pelos soldados.
- Mostro meu nojo à natureza humana. Tenho horror dessa mecânica nefasta que abateu inúmeros de minha raça quando o único erro que eles cometeram foi nascer. - Sibilou o albino antes de ser alvejado por um soco. O carrasco retira o manto que recobria O Aparato. Com sangue na boca, o condenado começa a sorrir descontroladamente.
- Me regozijo em meus últimos momentos. Querem saber o porquê? Eu vos digo desprezáveis criatura: O ser cocriador já está entre vocês, o divergente em breve estará contra vocês e a Morte perseguirá todos vocês. - Nesse momento, aqueles que antes gargalhavam das palavras do condenado se calaram. Me senti sacudida por um tremor indomável.
- Eu, Duncan Crux, segundo do meu nome, Senhor e Soberano escolhido pelo Karma para governar toda Risius, Copusan e Karnek, condeno esta pútrida aberração a morte.
***
Um misto de sentimentos e pensamentos emergiam dentro de mim e desencadearam memórias até então enterradas pelo tempo. Eu tinha dez anos de idade quando conheci a cega de três olhos. Em um dos momentos de maior aflição um desconhecido disse que somente uma única pessoa poderia ajudar-me. E assim seguimos para um casebre que ficava em uma floresta obscura e longínqua.
- Entre, garota. Não tenha medo! - Exclamou a senhora cega, de pele envelhecida e longos cabelos negros. O lugar era pouco iluminado e tinha um ar pesado. Nas paredes, pinturas de animais em tom vermelho-sangue destacavam-se e pareciam ter vida própria. Nas estantes, estranhos objetos amontoavam-se. Potes com olhos, línguas e um líquido preto imersos me fizeram desejar veementemente fugir dali.
- Sente-se! Você pode me chamar de Alfa. - Disse a dona do fúnebre casebre, apontando para uma cadeira de madeira, enquanto se sentava em outra do lado oposto da mesa. No centro da mesa pairava um copo com água, e, ao redor dele, velas acesas formavam um desenho que eu não conseguia distinguir.
- O que te trouxe aqui? - Alfa indagou. Olhando-a de perto, percebi, com frio na barriga, que havia um olho desenhado em sua testa.
- Meu pai me trouxe porque não consigo controlar meu poder.
- Preste atenção, garota: O que trouxe você aqui?
- Meus pesadelos.
- Você poderia descrevê-los para mim?
- Eu não me recordo...
- Faça um pequeno esforço. O que lhe vem à mente? - Perguntou a anciã enquanto apertava com força meu pulso. E então, três imagens saltaram-me a mente.
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COCRIAÇÃO
FantasyEmma, desde sua infância, é atormentada por três recorrentes pesadelos: uma jaula humana, um bosque sombrio e um lago obscuro. O que ela não sabe é que os sonhos, muitas vezes, são premonições do futuro. E o futuro, no mundo místico de Seratan, será...