- É o princípio do precipício. - A rainha Isabel Crux sussurrou.
Apenas respire, eu dizia para mim mesma na falha tentativa de manter a calma. Embora o estado da rainha necessitasse cautela, eu tinha absoluta certeza que tudo que ela havia confessado era verdade. O pesar que ela demonstrou em cada palavra dita me fez perceber que o Rei era um tirano muito pior do que eu jamais imaginara. Apovoro-me ao ver a porta do quarto ser aberta. Mas, para minha surpresa, era o príncipe Sebastian acompanhando de uma mulher desconhecida.
- Emma? O que faz aqui? - O príncipe indagou surpreso.
- A Rainha mandou me chamar...
- Isso não importa agora... Não temos tempo a perder! - Disse o príncipe em nítida agitação enquanto trancava a porta. A misteriosa mulher, que até então escondia-se por uma capa preta, retirou seu manto deixando a vista suas feições marcadas por traços fortes. A mulher negra, de cerca de 38 anos, de rosto quadrado e queixo pronunciado, me olhava com ar de suspeita enquanto se aproximava a passos lentos.
- Eu miro você e nada vejo. A análise espectral dela é uma incógnita! - Ela exclamou para o Príncipe. - Como isso é possível? Quem é você? - Ela me questionou com desconfiança. Quem era aquela mulher? Me indaguei. Mas, a resposta que me veio à mente foi tão absurda que eu não poderia acreditar.
- Esta é aquela que será sua futura soberana, Latasha. Atente-se ao que veio fazer aqui, por favor. - O príncipe a repreendeu em tom austero. Latasha voltou seu olhar para a rainha e tocou-lhe a testa. A misteriosa mulher começou a sussurrar palavras de um idioma desconhecido. Os olhos da rainha adquiriram uma coloração violeta e, então, eu soube que Latasha era uma bruxa. Mais especificamente, uma curandeira. E, com um frio na barriga, percebi que o que acontecia ali era considerado uma das piores heresias e que se descoberta levaria a uma única sentença: a morte. Com horror, vi a rainha tremer todo seu corpo freneticamente. O príncipe puxou-me para próximo dele.
- Emma, eu preciso que você confie quando eu digo que este é o único jeito de salva-lá. - Afirmou o príncipe Sebastian com intrepidez. Eu me sentia sufocada, alarmada e não conseguia dizer uma só palavra. Em um sobressalto, escutei passos se aproximando dos aposentos reais.
- Fomos descobertos! - Exclamou histericamente a bruxa.
A rainha se debatia em urros de desespero enquanto um líquido negro saia de seus olhos. A maldição deixava pouco a pouco seu corpo. Gritos fora do quarto me fizeram ter a certeza de tudo estava fora de controle. Soldados no corredor tentavam derrubar a porta. O príncipe empunhou a espada. Senti minhas vistas embaçarem. Algo dentro de mim começou a pulsar. Em poucos segundos, a porta estava no chão e o Rei Duncan seguido dos seus soldados adentraram no quarto.
- Pai, Escute-me! - Exclamou o Príncipe.
- Tenha cuidado com suas próximas palavras e seus próximos passos. - O Rei Duncan alertou enquanto se aproximava.
- Eu não irei deixá-la morrer! - Disse o príncipe em tom ameaçador, mas com um nítido temor no olhar.
- Meu filho, você sabe de que maneira eu vejo tudo isso? - O Rei indagou calmamente.
- Pai, eu não quero ter que lutar contra meus próprios soldados. Então, por favor, deixe-me salvar minha mãe. - Suplicou o príncipe. Eu sentia todo meu corpo arder e meu sangue ferver. Era quase impossível me controlar.
- Você não terá que fazer isso, meu filho. Não precisarás deixar sua mãe morrer... Porque, de fato, ela já está morta. - Disse o Rei enquanto, em um golpe rápido, rasgava a garganta da bruxa com uma navalha.
- Não! - O príncipe bradou enquanto erguia sua espada.
- Mostre-me sua coragem! - Desafiou o Rei. Havia um completo horror no olhar do príncipe que, transtornado, jogou a espada no chão e saiu do quarto.
- O destino é cruel para aqueles que nasceram com o sangue sujo. Lembre-se disso, Srta. Emma. - Disse o Rei antes de me deixar sozinha encarando a poça de sangue.
***
Era dia. Eu estava em meu dormitório. Senti um calor cintilante, oriundo dos raios de sol, percorrer meu corpo. Encosto na janela e me imagino em um outro lugar, com uma outra vida. Ouço batidas na porta, era ele, eu podia sentir. Ao abrir a porta vejo o príncipe Sebastian com um melancólico olhar.
- Gostaria de entrar? - Indaguei. Ele assentiu.
- Sua mãe... como ela está?
- Não posso vê-la. Criados me informaram que ela despertou, o que para mim é suficiente por enquanto.
- Eu sinto muito por tudo.
- Eu devo te pedir desculpas, Emma. Você não deveria ter presenciado nada daquilo.
- Não foi sua culpa. Vocês não merecem viver com algo tão vil como é o...
- O Rei.
- Eu não deveria ter dito...
- O Rei, meu pai, possui uma alma suja de sangue, sem qualquer resquício de amor por nada, nem ninguém, a não ser pelo poder.
- Eu queria poder fazer algo para mudar isso.
- Todo esse pesadelo que me tragava a alma já não importa. Apenas uma coisa importa e você sabe o que é, certo? - Sebastian disse enquanto se aproximava. Imediatamente eu soube que o amava de corpo e alma. E, então, ele me beijou. Havia um gosto em seus lábios que me fazia querer mais e mais. Ele segurou firmemente minha cintura, enquanto sua outra mão enlaçava meus cabelos, mas para minha surpresa, ele se afastou. Olhou diretamente nos meus olhos, beijou suavemente minha testa
e antes de sair disse:- Você é minha razão para começar de novo.
***
Três gélidos dias se passaram. Contrariando todas as expectativas, a recuperação da rainha aconteceu de forma abrupta. De modo que, em comemoração, um suntuoso baile seria realizado.
- Algo me diz que, esta será uma noite impossível de ser esquecida! - Suspirou Elvira, uma das criadas, enquanto terminava o penteado do meu cabelo.
- Receio não conseguir tirar os olhos dos nobres rapazes que estarão na festa. - Confessou Cristina enquanto buscava o vestido vermelho-fogo que o Príncipe me presenteou.
- Para seu azar, eles estarão ocupados enamorados pelas distintas moças que foram convidadas pela realeza. - Respondeu Elvira.
- Para minha sorte, todas estarão arrebatadas pelo Príncipe. - Afirmou Cristina. - E para sua sorte, Srta. Emma, o príncipe só terá olhos para você!
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COCRIAÇÃO
FantasiaEmma, desde sua infância, é atormentada por três recorrentes pesadelos: uma jaula humana, um bosque sombrio e um lago obscuro. O que ela não sabe é que os sonhos, muitas vezes, são premonições do futuro. E o futuro, no mundo místico de Seratan, será...