SOLSTÍCIO

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Um clima nebuloso e chuvoso, ao mesmo instante, um tempo belo, com um céu que declarava o fim de mais um dia. Cores vibrantes que pintavam o céu enquanto o sol se despedia. Aquele era um lugar sem leis. O dia e a noite, o sol e a lua, o fim e o início se encontravam.

Um deserto de almas, mas que agora dava à luz a elas.

A caverna dos sussurros se encontrava ali. Magnifica e atemporal. Um mundo dentro de outro. Florestas se estendiam ali. Enquanto estalactites se pendiam no teto que não era visível e pedras preciosas que brilhavam como estrelas. As árvores cercavam um rio puro profundo com águas que brilhavam em tons azulados brilhantes

Contrariando a todos os princípios daquele lugar, um corpo se arrastava pela caverna. Um corpo humanoide, trejeitos femininos, coberto por um manto e véu branco, ou seria preto? As cores transitavam a cada passo dado. Na cabeça levava uma coroa, uma hora de ossos, espinhos ou madeira.

Aquela era a Morte e a Natureza que dividiam um corpo, contudo, não uma única mente. Discordavam muito, mas naquele momento, seu consenso era único.

"Elas" seguiram até a margem do rio e ali ficaram.

A mão fria e pálida da Morte e a calorosa e bronzeada da Natureza se ergueram. O único corpo se dividiu e as duas mentes se separaram por um único momento. Por aquele breve momento seriam duas.

Deram as mãos uma a outra e adentraram o rio e ali, tudo começou.

A Morte se soltou. Segurou suas vestes e começou a dançar sobre a água. Um rito e uma oferta a sua contraparte, a vida, mas também, a si própria.

A Natureza continuava parada em um único lugar. Seu corpo desabou. Seu reflexo na água como um espelho. Sussurrava então, em uma língua desconhecida, um cântico. Ela rezava para si e para aquela terra que deitava.

A Morte continuava a dançar. A cada passo que dava, as árvores se redobravam a sua vontade e a "lua" descia para suas mãos.

A Natureza rezava colocando suas mãos na água e retirou dali um frasco cheio. Ela se levantou e foi em direção a Morte.

A Morte continuava a se mover, agora com a "lua" em mãos. Girava e se movia com graça ao encontro de sua segunda alma.

As duas se encontraram e dançaram. Recitavam cânticos, rezavam uma a outra. Proferiam seus desejos e seus pecados. Uma valsa milenar.

A Natureza então, derramou a água sobre a "lua" e a Morte a "enterrou" sobre seus pés.

Com suas mãos pálidas, a Morte retirou o véu mais grosso de sua companheira e ali estava. O rosto mais belo que aquele mundo poderia imaginar, ao mesmo tempo que oscilava entre a imagem de um ser destruído pelo tempo. A figura de uma mulher, hora belíssima, hora destruída, coroada por uma coroa de louros. Ela então, a beijou com seus lábios ressecados. Um selo.

Uma lágrima escorreu do rosto da Natureza. Caiu sobre a água onde a lua estava enterrada. E ali, ambas retornaram a um único ser

Colocando seu véu novamente, elas se viraram e se retiraram para seu trono escondido.

Minutos, horas, dias e meses se passaram e os sussurros daquele lugar reapareceram. A água borbulhava como se uma alma tentasse respirar.

A "lua" havia se desfeito em uma névoa que aos poucos ganhava forma. Não era exatamente humanoide, na realidade não se tinha uma forma. A névoa se moldava em muitos trejeitos parecendo tentar achar a que melhor se adequasse.

Mais meses se passaram e a névoa havia decidido sua forma, mas não seu rosto. Agora, energia a cercava e a ajudava a se materializar. Aquele era o presente da Natureza.

Um tempo indeterminado se passou. A forma havia se afundado ao rio a algum tempo.

Os sussurros se aumentaram. A energia era tão densa que chegava a ser visível. A água borbulhava e o ar tremulava. Tudo em torno daquela figura.

E então, o milagre daquele mundo aconteceu. A figura, agora com forma, se ergueu. Nua e desprotegida, ela lutava contra as mãos da água que tentavam a deter, mas não apresentavam resistência real.

Um corpo humanoide, uma aparência comum, pelo menos para parte daquele mundo. Uma aparência onamuh, pálida e amarela, longos cabelos enegrecidos, olhos inclinados e vazios. Uma figura do leste oriente.

Os sussurros se alegravam e se divertiam. Gritavam para aquele ser que não deveria nascer, no entanto, ali estava, um ser de energia pura, um Ethereal.

A figura feminina já estava em pé, olhava seu reflexo, seu corpo e ouvia os sussurros, tentava se entender. Ela escutava o que parecia ser uma discussão sobre um nome. Seu nome.

Aqueles que não se calavam, se silenciaram do nada. A razão caminhava em direção a garota. Um anjo. Asas que escondiam seus olhos e outras que se estendiam por suas costas, eram milhares e todas cabiam ali, repletas de olhos que observavam tudo. Mãos a cercavam e a puxavam, contudo, ela caminhava sem resistência. O sol se estabelecia atrás de sua cabeça dando sua grandeza.

A Vida.

Caminhando até o encontro do novo ser.

Um de seus braços se livrou das milhares de mãos e segurou o rosto da garota.

— A Morte e a Natureza vieram até mim! E eu, ao seu encontro!

Recitando suas palavras ela se dobrou. Beijou a testa e só naquele momento. A vida foi dada ao ser.

A Vida se esvaiu após aquilo, no entretanto, deixou para trás um sussurro. O sussurro se espalhou depressa entre os demais, um nome, que ecoava por todo aquele lugar.

"Pandora"

Aquela que a própria terra clamou para ser criada.

RÉQUIEM - OneshotOnde histórias criam vida. Descubra agora