Capítulo 1 - Edinho Poe 🐾
Mais gritos foram ressoados, causando arrepios em seus braços desnudos e em toda sua postura esguia.
O constante pensamento de inutilidade rondava sua cabeça e a batia com sutileza ao começo da semana, como as folhas amareladas cobrindo cada pedaço livre de terra durante o outono. Considerava seus pensamentos e a si como elas. Ninguém gostava de um punhado de folhas grudadas em sua bota, muito menos após a chuva.
Se perguntava como havia sido inocente ao ponto de acreditar que a situação em sua casa havia mudado. Seus pais não eram alcoólatras ou a batiam depois de uma semana ruim no trabalho, claro que não. Apenas projetavam todas suas frustações no outro, como punição de não realizarem suas expectativas. Nunca conseguiam manter uma estabilidade por um tempo considerável. Se contasse em um calendário, em menos de dois meses, explodiriam novamente. Não era como as outras crianças que temiam o divórcio dos pais, que ficaria contra um deles e elevaria o outro num pedestal. Tinha consciência de que se a separação os deixasse livres de uma úlcera, era definitivamente o que deveriam fazer.
Mas como nem tudo poderia ser evitado, cresceu muito apegada aos pais, e dependendo emocionalmente de ambos de uma forma que não sentia por ninguém. E com as constantes brigas, sempre respingava algo em suas costas, como um peso que não podia carregar pois não a pertencia, mas era impossível ignorá-lo. Depois das brigas, palavras ríspidas e olhares desinteressados eram lançados em sua direção, acabando com a inocente felicidade de uma criança que acreditava que os pais são seus heróis. Para compensar, tentava agradá-los com algum presente feito à mão, como os desenhos que tinha aprendido a fazer com folhas coloridas na escola. Mas não era o suficiente.
Pensamentos como esse apareciam toda manhã, como um lembrete.
Dia um – Edinho Poe
Encontrei o gato deitado na poltrona velha que parecia fazer parte da varanda, o tecido avermelhado já estava desbotando e alguns pedaços da espuma estavam servindo de brinquedo para Edgar. Ele é um gatinho traiçoeiro e que faz de tudo pra roubar sua fatia de pão com geleia. Geralmente as frutas vermelhas mancham seu pelo branco como neve em toda a região do focinho, e parece que ele realizou o desejo de todo gato: arrancar sangue de seu dono apenas para mostrar que pode. Todos sabem que a autoridade é o seu bichinho. Ele te adotou, não o contrário.
— Poe, garotão, vem comer sua geleia cara! - o puxei da poltrona, o apertando e beijando seus pelos macios.
— Pare já com isso, sua fedelha, apenas me alimente e pare de baderna. - Tentei decifrar sua fala, engrossando minha voz para passar pela dele, através do olhar que me lançou. Quando fico sozinha por muito tempo gosto de imaginar que Edinho Poe está falando comigo em um sotaque inglês de algum monarca extravagante. Igual a imagem daqueles gordinhos pomposos com perucas brancas e saltinhos. Definitivamente meu gato seria assim, no século passado e se fosse um humano.
— Ah, mas você é muito chato, eu te dou geleia e é assim que me trata, seu ingrato!
Recebo um ronronar carregado de antipatia, demonstrando seu desinteresse por minha atuação. Gatinho temperamental.
— Já que está me ignorando, não se importaria se eu fosse pra floresta sem você, não é?
E ele continuou comendo sua geleia, apenas movimentando sua cauda, como se me dissesse tchau. Gatinho Esperto.
— Certo Edinho, até depois, não coma tudo isso de uma vez.
Afaguei seu pelo mais uma vez e tranquei a porta, indo em direção à floresta.
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Forest Dust
Fantasy- Espera, onde estamos? E-e qual o nome de vocês? Eu mal os conheço, por que me puxaram pela floresta até aqui? Pretendem me matar? Olha, meu pai me ensinou a dar socos, nem tentem! - soltou a enxurrada de pensamentos que pareceram coerentes naquele...