Por mais que os professores passassem matérias das disciplinas, sua cabeça só pensava no livro das poções. Ângela passava o dia colada ao pequeno livro vermelho. Foi até a biblioteca vistoriar se não havia outro livro assim por lá. Ela leu cada título nas lombadas dos livros. Seus olhos percorreram cada estante. E a cada cinco minutos ela checava se o livro ainda estava dentro da sua mochila. Não ia à lugar nenhum sem o livro. Nem ao banheiro. Durante o banho em casa ela o colocava em cima do balcão, à vista. E de noite colocava-o embaixo do travesseiro. A primeira coisa que fazia ao acordar era verificar se o livro ainda estava ali com ela. E a última, antes de dormir era colocar sua mão em cima dele embaixo do travesseiro. Sentir o papel da sua capa, as dobras do tempo, as orelhas das folhas. Ela já sabia com detalhes como era a textura de cada canto do livro. Quantas páginas tinha. Já sabia de cor a poção da paixão.
O livro das poções era seu maior tesouro. Às vezes ela tinha vontade de dividir com alguém. Mas tinha muito medo de que fosse roubada. O livro das poções era algo muito poderoso. Imaginando possibilidades, ele poderia acabar com o mundo. Você poderia fazer um feitiço do sono profundo e colocar na água de uma barragem de alguma cidade e colocar todos para dormir. Poderia fazer uma poção da juventude e ficar rica. Poderia fazer uma poção do esquecimento e fazer coisas horríveis com uma pessoa, como torturá-la, e no outro dia seria como se nada tivesse ocorrido. Poderia fazer uma poção da verdade e saber de senhas de bancos, segredos de estado. Em mãos boas já havia um grande risco das coisas saírem do controle, em mãos ruins haveria incontáveis possibilidades de tragédias.
Não havia muito o que pensar. Sua mãe tinha alugado um vestido de festa. Ela pediu para Ângela se havia alguém para buscá-la. Tentou da forma mais delicada. Mas foi vergonhoso para Ângela assumir que ninguém queria ser sua companhia.
- No final, homens não prestam mesmo. E depois que eles te papam, não te olham mais nem na cara direito. É como criança com brinquedo novo, no começo maior alegria, depois larga pelos cantos. - a mãe de Ângela adorava falar sobre rapazes. - Eu espero que você tenha juízo amanhã. Sou muito nova para ser avó! E não quero receber telefonema da escola ou da polícia. Está entendendo? E que horas você quer que eu vá te buscar? Teu pai vai estar trabalhando de madrugada, mas eu vou te buscar de carro. É só você me ligar. Tenha certeza que seu celular tem bateria. O dinheiro para a bebida eu já te dei. E por favor, filha! - seus olhos eram grandes como um gato pedinte. - Tenta se divertir! Só se é jovem uma vez na vida! Eu sei que para você é um pouco mais difícil. Mas é o seu jeitinho. Então você só precisa ter paciência porque o primeiro passo é sempre o mais difícil. E você é uma garota incrível. Só precisa dar uma chance ao mundo de te conhecer.
Ângela ficava vermelha com essas declarações da sua mãe. Era muita coisa para experimentar. Muita coisa para viver. Ela sentia como se não conseguisse aproveitar tudo da forma correta. Como se a vida estivesse passando na sua frente e ela não conseguisse viver. Era muita pressão. Muita expectativa. Muita ansiedade.
Quando sua mãe foi dormir, Ângela e Timóteo ficaram assistindo um filme na televisão. Como a poção não precisava ser preparada no fogo. Ela levou todos os ingredientes para o banheiro e se trancou lá dentro.
Adicionou os ingredientes dentro da panela de pressão mesmo. Ela queria a maior panela que encontrasse. Queria fazer o suficiente. Não podia faltar poção. E foi adicionando todos os elementos. No final tirou a sua roupa e colocou sua calcinha dentro. Furou o dedo com a agulha de costura da mãe e pingou três gotas de sangue.
Era isto. Só faltava colocar a poção na luz da lua cheia. Ela abriu a porta do banheiro e correu com a panela de pressão para o quarto.
A poção não tinha como ser desfeita. Estava anotado no final da página. Mas ela durava apenas uma noite, até o raiar do sol. Então ela teria que aproveitar esta única oportunidade como se fosse a única porque provavelmente seria. No dia póstumo a festa, Jorginho viajaria para longe dela.
Enquanto ela abria a janela e olhava a gigante lua redonda e amarela no céu, Ângela sussurrou aos céus, a seja lá quem for que estava lá em cima, ou lá embaixo, que sua poção funcionasse.
Ângela vibrou de alegria ao acordar e ver o sol raiando no horizonte. O vento soprava forte, carregando as folhas para longe. Era o grande dia. Poderia ser o melhor dia da sua vida. Era este o dia que ela carregaria para sempre em sua vida.
Na escola só havia alegria. Os alunos assinavam as camisetas uns dos outros com os canetões do quadro branco. Ângela assinou de alguns. Jorginho veio até ela pedir para que ela assinasse.
- Ângela. Você se importaria em assinar minha camisa? - ele tinha olhos brilhantes, sobrancelhas arqueadas, um sorriso delicado e ao mesmo tempo expansivo. Seu carisma dominava o lugar. Ele era assim: bonito e charmoso. E ela ficou vermelha de vergonha, mas acenou a cabeça num sinal positivo.
Quando ele colocou o canetão na mão de Ângela, ela sentiu seus pelos se levantarem. Foi como estática. Como magia.
- Você vai hoje de noite no baile, Ângela? - ele estava virado de costas para ela. Para que ela achasse um cantinho para assinar. Ângela escrevia seu nome no alto do ombro esquerdo. Seus olhos não conseguiam não reparar na nuca dele. Uma alegria tomou seu corpo ao pesar a mão sobre o corpo dele. Apenas alguns milímetros de tecido separavam suas peles. Ela não conseguia não sentir o seu cheiro. Tentava decifrar seu aroma. Tentava pesar a mão o mínimo possível para não machucá-lo. E assim ela assinou com delicadeza.
- Vou, sim! - ela queria que sua voz saísse mais clara. Que não fosse tão travada.
- Aposto que você vai estar a maior gata! - Jorginho piscou para ela. Era algo simples, algo que para ele era banal. Mas para ela significava muito. O dia que ele piscou para mim. Ela jamais esqueceria deste momento. Ela se apegaria nele pela eternidade.
Então Ângela viu ele correndo para longe. Para o meio dos garotos. Eles pulavam e se esbarravam. Como crianças frenéticas. Felizes.
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SAFADÃO
Short StoryDepois de atingir 1 milhão de leituras no Wattpad, chega a aguardada continuação de "PROIBIDÃO". Escrito por Rafael Canal, novas histórias em novos contos agora ganham um jeito mais quente, mais ousado e muito mais perigoso. No primeiro conto "Na c...