Ultima noite

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— PARA, PARA, OLHA AQUELE CAMPO.

Parei o carro no acostamento e a cacheada saiu correndo em direção as flores. Estávamos perto de outro pedágio e as músicas já estavam acabando, enquanto eu saía do carro, fiz uma conta rápida e pude perceber que ela ficaria na próxima rodoviária.

Cheguei próximo a ela e esta girava feliz por estar naquele lugar, mas mesmo assim ouvi seu grito, que parecia de alívio, e as lágrimas caindo do seu rosto.

— Aurora...

— Merda, eu não queria chorar.

— O que aconteceu? Por que você está fugindo? – Ela se aproximou de mim e me puxou para um beijo.

De início fiquei confuso mas acabei cedendo ao momento e continuei. A apertei próximo de mim querendo sentir sua pele o máximo que eu podia, eu sentia o salgado das suas lágrimas e ao mesmo tempo ela sorria enquanto fazia aquilo.

— Sinceramente, beijar você parece ser tão certo, é uma das poucas coisas que eu já tive certeza na vida, por que não demos certo? — Encostei minha testa na sua sem saber o que dizer, ainda estava extasiado. — Eu sei, fiquei tão insegura com as minhas coisas que finalizei algo bom e quando quis correr para voltar... encontrei alguém... — Encostei minha testa junto a sua, permanecendo com os olhos fechados e com minha mão no seu cabelo.

— Me conta, o que aconteceu? Por que a Gi disse que você perdeu o brilho? Por que suas fotos estavam estranhas? Por que você apareceu chorando na minha casa? Me conta...

Ela me olhou nos olhos e levantou a blusa ficando apenas de sutiã, nisso eu vi algo que me deixou horrorizado e novamente começou a chorar.

— Eu precisava fugir... eu não aguentava mais Thiago, na primeira chance que encotrei, peguei todas as minhas coisas e fugi, eu não aguentaria estar lá com ele, não aguentaria mais casar com ele...eu fui tão idiota. — Ela vestiu a blusa de novo. Começou a gesticular de forma agitada me deixando cada vez mais preocupado com o que havia visto. — Ele veio com palavras bonitas, galanteios, me fazendo acreditar que eu era o centro de tudo pra ele, então após 8 meses de namoro e a controlar minhas roupas, fotos, mensagens, começou a ficar violento, me xingava por cada notificação que eu recebia da live de qualquer um de vocês, mal podia vez as streams da Gi. 

— Aurora eu...

— ELE BOTOU A PORRA DE UM APLICATIVO DE LOCALIZAÇÃO NO MEU CELULAR. — Aurora limpou as lágrimas com raiva e voltou a me encarar. — Então, eu comecei a acordar, percebi que não merecia aquilo, então pouco a pouco fiz meu plano pra fugir dele, conquistei sua confiança a ponto de me deixar sair de casa sozinha, comprei um novo telefone o qual deixava escondido, comecei a pegar pequenas quantias de dinheiro dele e juntar, quando ele precisou sair com os pais, graças a sua confiança, eu juntei minhas roupas, deixei meu celular antigo em casa e saí de lá correndo.

— Não sabia, droga, eu poderia ter evitado isso meses atrás, caralho...

— Você não sabia... você não tinha como saber. Eu estava cega, mesmo que tu surgisse, ainda tinha grandes chances de eu ser idiota.  — Ela limpou o rosto. — Meu maior arrependimento é de ter te abandonado, mas agora eu preciso sair de São Paulo.

— Vamos andar com isso.

Voltamos para o carro e novamente ligamos o som e sabia que agora seria a rodoviária, não apressei muito o passeio, fiz carinho para que ela se acalmasse e piadas para que ela esquecesse, compartilhamos algumas coisas, mas ela ainda não queria que eu soubesse pra onde iria.

— Ele vai atrás de você, eu sei disso, então prefiro não falar nada.

Chegamos na rodoviária e ela comprou a passagem, fiquei afastado respeitando o desejo dela. Prestes a nossa despedida, ela me entregou uma boa quantia de dinheiro pra volta e abastecer o carro com comida e gasolina. O meu celular e o dela começaram a tocar, dessa vez ambos rejeitamos e nos despedimos com um abraço, ela deixou outro beijo nos meus lábios sem pretensão de aprofundá-lo, e ficamos por isso mesmo.

— Você vai ficar bem? — Pergunto já começando a ficar preocupado.

— Eu vou, vou dar meu jeito, já tenho um plano de onde ir e você, vai conseguir chegar até sábado? Afinal, tu está meio virado e mal dormimos direito.

— Não acho que importe, eu consigo participar da sessão de forma tranquila, vou chegar de boa.

Novamente demos um abraço e ela caminhou em direção ao ônibus, voltei devagar até o carro e assim que sentei na frente do volante suspirei.

— Última noite né.

//

Cheguei em casa completamente acabado no sábado às dez da manhã, tomei um banho, troquei de roupa e coloquei o celular para despertar as três para que eu pudesse dormir um pouco antes do rpg.

Entrei na call para reunião e ouvi uma batida na porta, caminhei até lá e assim que abri fui empurrado contra a parede.

— Onde ela está?

— O que raios você está fazendo na minha casa?

— Para de graça Thiago, onde a Aurora se meteu? — Novamente ele apertou minha roupa deixando seu olhar ainda mais ameaçador.

— Não tenho ideia, ela não disse.

— Então teve contato com ela... claro, óbvio que ela não ficaria com um merdinha que nem você.

— Mas ela com toda certeza ficaria com você. — Ele me olhou e vinha me dar um soco. — Saía da minha casa ou eu chamo a polícia, nos deixe em paz.

Henrique olhou bem fundo no meu olho e saiu pisando duro batendo a minha porta, tranquei a mesma e voltei para frente do pc onde já estava atrasado.

— Desculpem o atraso pessoal.

— Atraso? — Luba disse com cinismo e eu comecei a rir.

— Você sumiu por quatro dias Calango. — Cellbit disse sério. — Estávamos morrendo de preocupação, hoje nem teria nada se a Gi não tivesse dito nada.

— Desculpem, juro que estou bem.

— Só não faça isso de novo, eu fiquei desesperado. — Rakin finalmente disse.

— Mas afinal, aonde você foi? — Kalera perguntou com uma certa curiosidade e todos acompanharam seu olhar. Eu apenas sorri me lembrando de tudo.

— Eu fui cumprir uma promessa.

Uma última noite - CalangoOnde histórias criam vida. Descubra agora