Conto I - A criatura das sombras

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Caminhávamos eu, Jonas e Rick. Era tarde da noite e estávamos levemente bêbados e retornando e de uma noite de rock e cerveja. Passamos por uma praça chamada "cruzeiro" cuja tal tinha uma enorme cruz centralizada e sempre havia flores, fotos, papeis com nomes de falecidos, brinquedos de crianças etc., no pé da cruz.

Maldito dia em que decidimos beber ali... Ah se eu soubesse o que viria acontecer jamais havia dado ouvidos a ideia de Jonas:

- Rapaziada, ainda tenho três latas aqui, "bora" beber na praça? Temos que acabar com elas antes de chegar em casa! – Disse Jonas feliz de bêbado.

Eu (que já não estava tão sóbrio) aceitei e inclusive FOI EU quem deu a ideia de sentarmos no banco em FRENTE aquela cruz, cheia de homenagens póstumas!

Ah se eu soubesse o que viria a acontecer...

Sentamos, rimos e volta e meia debochava daquela cruz, debochava da religião... debochava de Deus!... Eram exatamente 3h28 da madrugada quando acendi a tela de meu celular para conferir a hora. Um sentimento de incomodo, de rejeição (por estar ali) começou a tomar conta de mim... Dentro de mim um aperto no meio do peito, uma inquietação nas pernas, uma AGONIA tomava conta sem eu conseguir lutar contra... um peso em meus ombros.

- Galera é sério preciso ir embora, está tarde e minha mãe já me ligou – Disse

- Porra Theo! Termina sua 'breja' pelo menos, deixa de ser frouxo, sabemos que está com medo kkkkk - Disse Rick ironizando.

Eu não disse nada, voltei para meu acento e terminei aquela cerveja o mais rápido que pude.

Ah se eu soubesse o que viria a acontecer...

Em meio as conversas e risadas, aquela agonia estava cada vez mais forte e meus ombros ainda mais pesados, começaram a vir em minha mente algumas lembranças péssimas, alguns pecados cometidos nos quais me arrependo até hoje. Segurei meu choro o máximo que pude e me levantei repentinamente, comecei a sair dali a passos largos, sem dar satisfações, eles gritavam por meu nome e me zoavam, mas as vozes se misturavam com sussurros vindo de outrem, vindo não sei de onde! Era agonizante e estonteante, meus passos eram confusos e tortos. Uma mistura de álcool e medo me faziam cambalear.

Parei numa esquina próxima, olhei para trás e não vi meus amigos, não vi a cruz, não vi a praça... Não vi as luzes.

Ah se eu soubesse o que viria a acontecer...

Apenas uma silhueta estava vindo em minha direção... era aparentemente um homem. Encapuzado e de sobretudo, não via seus olhos... apenas um sorriso amarelado forçado. Barulhos de correntes vinham junto com ele aos pés... Eu estava perdido, não sabia se estava na minha cidade ou até mesmo em outro plano! Estava frio, e fez mais frio ainda quando "ele" começou a me rodear e falar coisas que não pude entender. Ele ficou por trás de mim e colocou as duas mãos em meus ombros, notei que era o mesmo PESO que senti minutos atrás. Eu estava paralisado, com frio, perdido, cego, aflito e com medo. CLAMEI A DEUS neste momento..., Mas meu grito era mudo! E 'ele' me disse com uma voz distorcida e tênue:

- Tu me chamaste todas as noites! Tu me invocas em pensamentos... Os mais sujos, os mais zombeteiros... os mais podres! seja bem-vindo ao meu mundo! Obrigado por me alimentar... "humano".

Ah se eu soubesse o que viria a acontecer...

"Ele" ... "isso" ... começou a por uma força em meus ombros, uma sensação de algo espesso, frio e gosmento estava entrando pelos meus ombros em direção aos meus pulmões. Minha boca abriu involuntariamente, a única coisa que sentia era aquela coisa tomando conta de meus órgãos, já não tinha mais respiração e parecia estar tudo se destruindo dentro de mim, aquilo doía e agonizava. O cheiro era horrível!! E essa podridão saia pela minha boca... Toda essa tortura parece ter durado uma eternidade para minha alma pecadora. Deitei em posição fetal aos prantos e fiquei ali por sei lá quanto tempo... Tentei me levantar, mas era inútil caminhar na escuridão total. Nesta vasta escuridão eu ouvia vozes, algumas me pareciam ser de familiares falecidos outras eu não entendia uma palavra se quer. Conforme eu andava na escuridão, eu sentia uma presença pesada e densa atrás de mim, "aquilo" estava comigo o tempo todo agora e eu sabia disso.

Nessas horas clamar a Deus parece inútil. Mas não acredito que Ele seja um cara que abandona seus filhos, mas muito justo para nos ensinar o certo. Durante essa caminhada também veio em mente varias coisas erradas que fiz, brigas desnecessárias com minha mãe, curiosidade excessiva por coisas sujas que envolvem o lado mal da história... E sim eu sabia que isso estava influenciando, e sabia que minha hora tinha chegado... "Não brinquem com o desconhecido"

Depois de tanto caminhar em vão eu apaguei... e quando acordei estava ao pé da Cruz da praça, sozinho e com frio e me sentindo podre, sujo e exalando carne apodrecida, fétida ... Peguei meu celular eram 3h31 apenas... Tudo aconteceu muito rápido. Estava ali sozinho, minha voz não saia, não sabia o que fazer. Olhei para a cruz atras de mim e orei de joelhos com TODA A FÉ que me restava. A oração me confortava, sentia meu coração desacelerar. Pude até mesmo sentir uma presença ali atrás de mim..., mas não sabia se era uma proteção ou uma ameaça que agora viveria o tempo inteiro a se alimentar de mim.

Agora entendo o que Salomão quis dizer com "Tenha cuidado com o que você pensa, pois a sua vida é dirigida pelos seus pensamentos. Nunca fale mentiras, nem diga palavras perversas. Olhe firme para frente, com toda a confiança; não abaixe a cabeça, envergonhado. Pense bem no que você vai fazer, e todos os seus planos darão certo. Evite o mal e caminhe sempre em frente; não se desvie nem um só passo do caminho certo. Salomão Bíblia Sagrada. Provérbios 4:23-27."

Ah se eu soubesse o que viria a acontecer...

As Criaturas do Vale do AbismoOnde histórias criam vida. Descubra agora