Há muito, muito tempo atrás, uma plantinha foi semeada com muito carinho por uma jardineira misteriosa. Nenhuma das flores jamais foram vistas, assim como seu jardim inteiro, assim como ela mesma, e assim como essa história logo será esquecida.
A jardineira adorava flores, eram sua maior paixão, seu maior segredo, seu maior orgulho. As flores eram seus filhos e filhas, seus príncipes e princesas, seu começo e também seu fim. Mas essa história não é sobre essa velha e doce jardineira, e sim sobre uma de suas filhas, assim como a sua última.
Sil era uma criança jovem que nasceu com uma doença misteriosa, até então não compreendida. A pequena era incapaz de sentir dor, não conseguia chorar, mesmo após a perda de sua mãe e irmãos. Ela apenas não conseguia, não havia simples explicação, fossa mágica ou científica para eles, para todo seu mundo curioso. Mas isso não impediu a menina de tentar viver.
Ao longo de sua vida, Sil lutou para permanecer viva e saudável mesmo com a condição de escassez de comida que seus chefes lhe deixavam. Eles eram maus patrões, mas a pequena plantinha nunca se abalava e logo estava com seu rotineiro sorriso no rosto, o que deu falsas esperanças para as outras crianças humanas, que acreditavam que tudo ficaria bem, que elas não morreriam. Me entristece dizer que estavam todas erradas.
Sil não podia apenas não sentir dor, como também era incapaz de recordar dos acontecimentos de sua vida.
Quem sou eu?
Como eu vim parar aqui?
Tenho pai?
Tenho mãe?
Onde estou?
Por que faço isso?
Eram perguntas rotineiras que ela se fazia, na esperanças de talvez algum dia se lembrar de seu passado. No entanto, havia uma pergunta que ela sempre era capaz de responder, esse era seu nome.
"Sil".
Nada de especial, apenas Sil. Nossa doce e pequena Sil. Não tinha sobrenome, não tinha idade, não tinha aniversário, não tinha nada. Apenas seu nome, curto, monossilábico, três letras, sem significados. Apenas Sil.
Mas como ela poderia responder essa pergunta? Era fácil, bastava alguém lhe dizer seu nome e ela se lembraria do que era. No entanto, a dependência era de mais, as crianças foram morrendo, poucas pessoas que sabiam seu nome logo iriam embora também. Como ela poderia viver assim? Como ela poderia viver sem nome? Ela perderia o único indício de sua identidade? Não poderia deixar isso acontecer, ela sabia apenas isso, sequer sabia quem era, apenas o nome que lhe fora dado com seu nascimento.
Então, a pequena plantinha pegou a lámina mais afiada que pôde encontrar e fez uma grande e desajeitada cicatriz em sua perna.
Ali estava sua identidade, e ela jamais iria se esquecer disso.
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A Story of Loss
FantasyUm passado neblinado e esquecido, um presente alegre, um futuro incerto e torturoso. Onde tudo começou a dar errado?