973 palavras
Vinícius Sales tinha quinze anos quando decidiu que seria jogador de vôlei.
Era sincero nas entrevistas, mesmo após treze anos de carreira: vôlei não foi sua primeira opção. Primeiro, tentou o futebol. Mas, já naquela idade, ele era muito alto para não ficar no gol. E não havia nada tão tedioso para Vinícius Sales que ficar noventa minutos inteiros debaixo da trave, esperando de longe a emoção chegar até onde ele estava.
Depois, buscando algo que trouxesse adrenalina para seu sangue, se inscreveu em aulas de judô. Dessa vez, porém, a altura não o ajudou em nada: muito lento, muito desengonçado, muito vulnerável. O treinador nunca escondeu dos seus pais — que estavam presentes em todos os eventos que aconteciam — que ele não tinha muito futuro naquele esporte.
O vôlei apareceu logo depois, tomando espaço sem pretensão em sua vida. Descobriu nas aulas de educação física que era bom o suficiente para participar do time principal da sua sala e, logo depois, do time do colégio que estudava, lotado de pessoas muito mais velhas que ele. Não foi nenhuma surpresa quando o primeiro clube do interior de São Paulo se mostrou interessado no jogador de 1,89cm que ocupava o lugar de oposto na equipe e tinha a mão mais pesada que todos os outros em quadra.
Aos dezessete anos, o garoto saiu de Niterói com uma mochila nas costas, olhos marejados de saudade dos pais e uma coragem de quem não sabia o que seria da sua vida no ano seguinte. Onze anos depois, disputando a sua terceira Olimpíada e com uma medalha de ouro e outra de prata no currículo, Vini assumia que algo tinha dado certo.
— Rede. Merda!
Praguejou baixinho, levantando as mãos em um pedido silencioso de desculpa para o resto do seu time. Recebeu um tapinha nas costas de Rafael, o líbero da seleção, e gritos de incentivo de Hélio, o levantador e seu companheiro de clube há cinco anos. Passou a mão pela testa suada, voltando para sua posição de início quando o apito do treinador anunciou uma pausa no treino que já acontecia há quase duas horas.
— Relaxa, cara — Hélio falou assim que os dois saíram de quadra, pegando duas garrafas d'água e entregando uma para Vini. — Você está tenso, todo mundo tá sentindo isso. Nosso jogo é em três dias e nós estamos jogando bem pra caralho. Você tá bem pra caralho.
Vini sorriu, negando com a cabeça antes de levar a garrafa até os lábios. Estava em uma das suas melhores temporadas. Tinha acabado de ser nomeado como o melhor jogador no Campeonato Sul-Americano de Vôlei e ganhado a Superliga por três sets a zero, em uma disputa que tinha feito mais de vinte dos pontos do seu time. Profissionalmente, aquela era sua melhor fase. Sem dúvidas.
— Não é isso — murmurou, sentando-se no banco da arquibancada, deixando que seus olhos escuros vagassem pela quadra movimentada. — Desde que chegamos aqui, aquela história voltou com tudo na minha cabeça. Não consigo parar de pensar nela.
Voltou a olhar para Hélio quando ouviu a risada do amigo chegar até seus ouvidos, jogando a cabeça para trás para que pudesse gargalhar. Vini sorriu sem jeito, jogando o restante da água gelada nos seus cabelos escuros antes de passar as mãos pelos fios, deixando que seu suor se misturasse com o líquido que agora molhava a camisa amarela de treino da seleção brasileira.
— Então a culpa ainda é da garota — Hélio provocou, cutucando o mais novo com o cotovelo. — Que infernos essa mulher fez para você não esquecê-la em cinco anos, Sales?
Aquela era a pergunta que ele se fazia desde a Rio 2016. Por que dentre tantos outros atletas e tantas outras pessoas que cruzaram seu caminho naquela competição ele tinha que ter se encantado justamente por ela? Ela, que tinha deixado o gosto em seus lábios, o cheiro nas suas roupas e a risada marcada em sua memória. Aquela que tinha se tornado sua favorita, só para se revelar como seu maior martírio logo depois. Ela, que tinha desaparecido da mesma forma que tinha entrado na vida dele. Sem despedidas ou aviso prévio. Fazendo-o se perguntar, nas suas noites em claro, se não tinha sido tudo uma alucinação montada pelo seu subconsciente.
— Se você encontrar ela por aí, nós podemos perguntar.
— Da última vez que vocês estiveram juntos, nós ganhamos o ouro em casa. E sabe, você realmente parece estar com alguns problemas no saque — Hélio continuou, arqueando as sobrancelhas quando Vinícius levantou o dedo do meio para ele. — Acho que poderíamos usar essa ajudinha extra aqui em Tóquio.
— Será que podemos cortar o papo furado e voltar a treinar? — Vinícius falou ao se levantar, deixando a garrafa cair de suas mãos. — Deixa eu te mostrar como eu não tenho um problema com meu saque.
— Se você diz, Sales... — o outro levantou as mãos em rendição, colocando-se de pé assim que o apito do treinador soou mais uma vez, sinalizando que o intervalo tinha chegado ao fim. — Mas ei, cara... Se você realmente quer vê-la mais uma vez, você sabe onde precisa ir.
Vinícius assentiu, sorrindo sem mostrar os dentes antes de pegar uma das bolas que estava pelo chão, rodando-a duas vezes nas suas mãos preenchidas por ataduras antes de jogá-la para cima e direcioná-la até o outro lado da quadra.
Ouviu um "boa, Sales" do seu treinador assim que a bola concretizou um ponto no canto da quadra, mas sua cabeça estava longe das redes, do treino e do apito agudo que sinalizava para ele sacar mais uma vez. Estava entre piruetas, acrobacias e coreografias, presa dentro de um dos ginásios de treinamento de Tóquio, tentando evitar qualquer um que quisesse encontrá-la.
Ele incluso.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Tempo de Pipa | CONTO
RomansDepois de conhecer o oposto da seleção brasileira de vôlei e fazer sua pior campanha em uma Olimpíada na Rio 2016, a ginasta de ouro promete a si mesma que nunca mais vai cair. Não no tablado, não da barra e muito menos pelo sorridente jogador dos o...