Dedico esse livro para a pessoa que mais vai precisar ler tudo o que aqui escrevi...
...Dedico esse livro a mim mesmo.Eu detesto escrever. Odeio passar por todo o processo de incerteza na hora de decidir quais palavras usar, e como transmitir as informações que quero passar. Odeio mais ainda ter que sofrer nas mãos do meu próprio perfeccionismo, pensando e ponderando se cada linha que escrevo captará a atenção do meu leitor até o próximo gancho.
Eu nunca pensei que me pegaria finalizando um livro, e talvez o fato de que eu não estou escrevendo para ninguém me facilite o processo. Não pretendo publicar essas anotações e não quero que leiam. Escrevo para que, por mais que os anos se passem, e por mais que eu acabe aos poucos me esquecendo do que vivi, ainda terei essas páginas para me lembrar mais uma vez de que tudo aquilo foi real. Informo então que, se por ventura alguns olhos que não os meus estiverem lendo essas palavras, que leiam por terem encontrado esse livro ao acaso, e não por estarem precisando ler ele.
De qualquer forma, como no melhor dos cenários o único que lerá tudo isso serei eu... Faço desse o primeiro livro feito com consciência absoluta da identidade de seu leitor:
Eu mesmo, Jane. Um cara chamado Jane. (E lê-se "Djein").
Me endereçarei então nessas páginas, da maneira mais egocêntrica possível, à mim mesmo.Jane, isso vai ser bem trabalhoso, por favor não me faça ter perdido meu tempo e prepare-se para a leitura. Farei o possível para deixar tudo o mais detalhado que eu puder.
Comecemos então.
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Olá, Jane. Espero que esteja bem. Fantasio que anos tenham se passado desde que você apertou as teclas que deram a luz a essas palavras no seu notebook.
Seria irrealista da minha parte esperar que você esqueça completamente do que passou e nunca volte a tentar se lembrar, se vendo para sempre livre dos pesadelos que me assombram nos dias atuais. Somos teimosos, e isso para sempre será a nossa danação. Assumo, com toda a certeza que a minha sanidade me permite, que você se encontra preso nessa leitura, sem se deixar abalar por toda a sua consciência que grita "pare de ler, ainda tem volta! Lute contra isso! Os pesadelos vão voltar! Você não precisa se lembrar!". Francamente, Jane, quem sou eu para te implorar que pare? Seria hipocrisia de nossa parte achar que eu estou em algum tipo de pedestal para te dizer o que é certo e o que te fará bem.
Leia então, não vou pedir para ser ouvido sobre meus avisos e advertências. Eu não me ouviria, e nem ouvirei quando for a minha vez.Como deve se lembrar, você escreveu esse livro com vinte e quatro anos, oito meses depois dos acontecimentos que te serviram de inspiração. Quantos anos você tem agora, Jane? Trinta? Trinta e cinco? Imagino que já seja um homem feito, dono da sua própria vida! Ainda tiram sarro com o seu nome? Ou será que agora você convive com gente madura?
Jane... Você se lembra da casa de praia? Ou será que sua mente te bloqueou até para o local aonde tudo aconteceu? Para todos os efeitos, vou tentar cobrir tudo.
A praia de Santa Rita sempre foi tão confortável... O sol lá nunca pareceu queimar a pele, a areia nunca machucou nossos pés. Toda vez em que ouvíamos de nossos pais que iriamos à "prainha" nos empolgávamos tanto que mal conseguíamos aguentar a viagem de duas horas de carro. A vontade que dava, por mais que soubéssemos o quão idiota seria, era de pular para fora do veículo e ir para lá correndo. Odiávamos praia, mas Santa Rita tinha um lugar especial em nosso coração, não é?
Bem, agora Santa Rita também tem um lugar especial na nossa cabeça, mais precisamente nas costas de nossa mente. Para sempre agora essa casa de praia estará conosco, e eu estou garantindo que assim realmente seja.Chegamos mais tarde do que esperávamos, nossos pais quiseram parar em uma lojinha para comprar roupas de banho já que haviam esquecido uma das malas em casa. Minha bexiga já doía quando saí do carro, mas não consegui deixar de observar com calma aquela casa, que se mantinha tão firme e estável. Seus dois andares se pintavam com tintura amarelada, o telhado triangular composto de telhas cor de vinho mais parecia um chapéu pontudo.
De trás da casa, aonde havíamos estacionado o carro, dois canteiros longos de pés de pimentas das mais diversas cores contornavam o caminho reto de ladrilhos vermelhos que servia de chão para a garagem aberta. À direita, a churrasqueira de tijolos que não era usada desde o ano passado parecia não ter acumulado sequer uma camada fina de poeira, como se ainda a mantivessem pronta e preparada para uma confraternização a ser feita no mesmo dia. À frente, uma porta de madeira gradeada com barras de metal permanecia parada e inabalada. Era como se aquele terreno me hipnotizasse, talvez pela sua beleza, talvez pelo conforto que me trazia. Fiquei tão perdido com a nostalgia que eu sentia naquela hora que esqueci completamente da minha vontade de ir ao banheiro, que agora se tornara bem mais forte. Corri então desesperado para a porta, parando perto da mesma e dando saltinhos de leve, completamente desconfortável.
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Mercúrio, Geleia, Raízes e Esquilos
FantasíaCapítulos publicados semanalmente. Próximo capítulo: 27/11/2021 O quanto das nossas lembranças realmente é confiável? O que deixamos de lembrar realmente deixa de existir? E se perdêssemos a memória das nossas maiores aventuras e conquistas? Como qu...