Kim Raebin morreu. Ela constata esse detalhe ao notar algo importante sobre sua aparência refletida no espelho; algo diferente, mas agradável. No início, não consegue distinguir, porém a singularidade transparece nos traços à medida em que se aproxima do enorme objeto. Seu antigo corpo era lindo e delicado, e o atual mantém-se belo, contudo, deslumbrante e com curvas mais visíveis do que o acostumado. Curvas e linhas ocidentais.
Suas sobrancelhas elevam-se de espanto enquanto as pontas dos dedos alcançam a superfície plana, tocando na própria imagem. Os fios de cabelo sedosos e descoloridos caem por suas costas, atravessando a linha da pequena cintura, bem cuidados e carregados por um tom loiro, quase branco. O pensamento de morte permanece ao seu redor, dançando junto à ideia de ter virado um tipo de anjo e ficado presa em um local no Céu. Não o Paraíso, definitivamente. Sente que, de alguma maneira, voltou no tempo, e isso não é o que chamaria de Paraíso.
— Jamais ousaria citá-la pelo nome, senhorita — pronuncia a mulher ruiva, buscando atrair a atenção da menina, que ao menos se vira, ainda impressionada com a situação e com a nova aparência. — Por favor — pede, apontando a uma das três portas presentes no quarto, e então Raebin a encara. A empregada chega a sorrir, contente por ser ouvida pela primeira vez na manhã, mas a Kim não se move, ainda mais perplexa.
Coreano. A ruiva fala coreano. Não inglês, não espanhol. Coreano. Talvez não esteja morta, talvez não esteja tão longe de casa. Há esperança, e Raebin imagina que exista um jeito de regressar. Se foi capaz de viajar no tempo, também é capaz de retornar. No momento, não sabe como e nem por quê, muito menos onde, todavia, jura a si mesma que descobrirá a resposta de cada uma de suas dúvidas. Antes do sol se pôr, estará abraçando o melhor amigo, despertando de um sonho doido. Um simples e indefeso sonho.
— Vou para qualquer lugar desde que diga qual é o meu nome completo — propõe calmamente, averiguando o território. Ela observa a feição da mulher se fechar e, em segundos, sorrir mínimo, disfarçando a impaciência. Raebin não liga, pois precisa de informações e claramente só conseguirá arrancá-las através de chantagens, já que a mais velha não parece atraída por conversas matinais. Nomes são poderosos, e ela reconhece que é um bom ponto de partida. — Voltarei a dormir então. — Dá de ombros, astuta, ciente da eficiência de uma pequena birra em meio à inquietação de outro indivíduo.
Ao segundo passo em direção à cama, a ruiva chia e a Kim para, contendo um sorriso vitorioso. A mulher reflete se o crime compensa. Lembra-se das consequências e coloca na balança qual tipo de falecimento possivelmente é o pior: execução em praça pública ou decapitação pela espada do Duque. A conclusão é reluzente como os olhos esmeraldas daquela a quem serve.
— Senhorita Daisy Anne Miracle — conta, não compreendendo o rumo do assunto. Está mais preocupada com os horários estabelecidos para a arrastada viagem que a família Miracle tem de fazer e com seu emprego balançando em uma fina e desgastada corda, tudo porque sua aluna acordou estranha.
Evita recordar que a simples menção do nome da garota é capaz de destruir sua vida e a de toda sua família. Contudo, o Duque também acabará consigo caso a filha não esteja pronta para sair no horário correto, e o faria por meio de uma arma afiada atravessando seu pescoço ou pior: jogando-a no olho da rua em plena crise política e econômica.
— Exatamente em qual país do mapa estamos? — interroga Raebin ao passar pela empregada, cumprindo o trato e marchando ao cômodo apontado. — Coreia do Sul? — Vira-se, próxima ao batente da porta. A ruiva eleva a sobrancelha devido à demora da menina para obedecer seu pedido, e a Kim sabe que está sendo um peso. — Acho que não vou obter nenhuma resposta decente com você agora — Suspira, retornando ao caminho e sondando o novo local.
VOCÊ ESTÁ LENDO
CARNIVORE | bobby (ikon)
JugendliteraturPagando caro por uma dívida perpétua, algumas pessoas nascem predestinadas e outras devoram a própria essência, até que abandonem suas crenças ou que o gosto da carne torne-se tão apetitoso e intenso quanto o Inferno. Portanto, conectados além do sa...