O líquido espesso mancha o rosto em tons de vermelho-ferrugem e a terra suja a face apática e o corpo gélido, abraçando os restos do cadáver. A gravação é amadora e há resmungos de espanto ao fundo. Um dos adolescentes implora para irem embora e ligarem para a polícia. Nenhum é visível, mas suas vozes se sobrepõem. Quando uma das garotas começa algum tipo de piada, o vídeo é finalizado.
[...]
Kim Raebin tem um sorriso doce nos lábios e uma intenção oculta em seu olhar. Seus músculos doem pelas horas sentada na arquibancada dura e desconfortável, mas, como uma perita em Kim Jiwon e uma excelente coletora de pormenores, ela analisa o garoto correndo em campo, tentando compreender suas ações.
O sol quente a atinge e queima sua pele. Seus fios de cabelo voam e grudam no gloss recém-passado. A comemoração do time e as gargalhadas de um dos amigos de Jiwon preenchem o silêncio e Song Yunhyeong tagarela ao seu lado sobre um vídeo do Twitter. Este é mais um início de tarde comum.
Os chutes na bola chamam sua atenção por alguns momentos, porém nada suficiente para fazê-la baixar a guarda. Ela observa o de fios azuis com cuidado, como se estivesse o apoiando durante o treino, sem expressar o que anda fazendo durante todas as madrugadas e o que a obriga a mentir para seus tios há meses.
— Na boa, você está me assustando — comenta o Song, ainda deslizando os dedos pelo celular e lendo as notícias da aba "Assuntos do Momento" do aplicativo em questão, ao mesmo tempo em que faz caretas pelos tweets em destaque. — O mundo todo é assustador — murmura para si mesmo, encarando, na tela do aparelho, as fotos das vítimas do mais recente caso a estar ganhando ênfase no país, bem como as opiniões podres dos internautas.
— Hyeong, você teria energia para transar todos os dias durante cinco meses inteiros? — A pergunta sai da boca da garota sem hesitar, como algo comum, rotineiro. A mais nova nem se importa, nem mesmo o olha, supostamente atenta ao jogo, reflexiva.
Por um segundo, Yunhyeong se assusta de verdade. Ele verifica ao redor, em ambas as direções. Felizmente, todos os colegas de sala foram embora assim que o professor liberou e há poucos indivíduos da outra turma matando aula para acompanhar o treino do time, e todos longe o bastante.
Suspira, aproximando-se.
Desde quando falam sobre essas coisas no colégio?
— O quê? — interroga, perplexo. O garoto pisca três vezes, desacreditado. Se qualquer um escutar a conversa, estariam os dois ferrados e estava ciente disso. — Ok, pervertida, quer me dizer o que está acontecendo? Esse tipo de pergunta atravessa os limites até para nossa amizade. — Com esforço, sua voz e postura soam normais.
— Acho que o idiota do meu irmão está me pagando para mentir só para poder ter várias noites de sexo. — Pela primeira vez desde que deixaram a sala de aula, Raebin desvia o olhar, encarando o amigo. Sua expressão é de dúvida e, depois, mais dúvida ainda. Ela não reconhece o motivo dos traços do rapaz estarem rígidos.
Yunhyeong limpa a garganta, ajeitando a postura e relaxando outra vez. A menina capta o mal entendido e ri soprado, retornando a Jiwon, muito contente pela ação alheia.
— Primeiro: se está pagando, isso não é da sua conta — expõe, dando de ombros e ligando o celular, de volta à timeline de seu vício. — Segundo: por que ele faria isso? Não é como se vocês não tivessem a casa vazia todas as noites. Eu mesmo vivo dormindo lá. Por que o Jiwon não levaria a namorada? — pergunta, estressado pelas notícias.
Correndo no gramado, Jiwon mostra cinco dedos em direção a Raebin, prometendo finalizar o treino em poucos minutos, e lança uma piscadela a duas calouras que sondam o papo silencioso dos irmãos, com inveja da relação e de tudo que envolve os principais nomes daquele ambiente escolar.
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CARNIVORE | bobby (ikon)
Ficção AdolescentePagando caro por uma dívida perpétua, algumas pessoas nascem predestinadas e outras devoram a própria essência, até que abandonem suas crenças ou que o gosto da carne torne-se tão apetitoso e intenso quanto o Inferno. Portanto, conectados além do sa...