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⚠️ GATILHO: ANSIEDADE/ATAQUE DE PÂNICO.

𝗡𝗔𝗥𝗥𝗔𝗗𝗢𝗥.

A casa dos Cameron está cheia. Família, alguns amigos e colegas de trabalho preenchem toda a extensão da casa. Apesar do Dia de Ação de Graças ser um feriado pra normalmente reunir só a família, era óbvio como Ward Cameron gostava de ser do contra e chamar atenção. Avery ainda não sabe porque se surpreende com certas atitudes vindas do homem.

Pela cara de Rafe, é nítido como ele não tem um pingo de vontade de estar ali. Preferia ter passado o feriado curtindo com seus colegas de república ou até mesmo treinando pros futuros jogos, mas quando mensagens quase desesperadas de Rose lhe pedindo para comparecer e outras um pouco sérias demais de Ward chegaram em seu celular, ele soube que evitar problemas seria a melhor solução. Afinal, não aguentava mais escutar ameaças sobre que se não fizesse o que Ward queria, podia dar adeus ao hóquei, a faculdade e a Sarah. Provavelmente trabalharia igual a porra de um filho da puta em uma das unidades da empresa dos Cameron em algum canto isolado do mundo. E, definitivamente, isso não está nos seus planos desejáveis.

⏤ Filho, venha tirar uma foto com a sua família.

Aquela maldita voz fez o sangue do seu corpo borbulhar. Nunca em anos da sua vida, Rafe conseguiria entender como um cara tão desprezível conseguia também ser tão falso na mesma proporção. Porra, Ward conquista qualquer pessoa com seu papo cativante e seu sorriso galanteador. Talvez não no modo malicioso, mas ele sabia bem como fazer as pessoas confiarem nele e cada vez mais, ter quem estivesse ao seu lado se um dia, toda a merda subisse à cabeça. No fundo, Ward sabe que o que ele fez e faz com seu filho mais velho não é a coisa mais pura do mundo. A última vez que teve problemas envolvendo suas ações foi no ensino médio, quando Rafe chegou na escola com um olho roxo e um corte no supercílio. É claro que o diretor não desconfiou de uma mulher como Rose que parecia mais uma mosca morta do que qualquer coisa. Uma denúncia. Nada mais que isso. Por que as pessoas acham que a polícia vai resolver algo quando se há dinheiro no meio?

O patriarcado nunca vai mudar. Os ricos sempre vão se safar mais rápido do que os pobres, os brancos sempre terão mais oportunidades do que os pretos e por aí vai. Por isso, o extremo às vezes não é necessário, e sim uma válvula de escape num completo desespero.

Contra a sua vontade, Rafe se aproximou do pai, que passou um braço pelos seus ombros e sorriu pra câmera. Ele não teve a mínima vontade de fazer a mesma coisa, mas o sussurro assustador do homem em seu ouvido lhe intimidava mais do que qualquer outra coisa no mundo.

⏤ Sorria pra câmera, garoto. Eu não vou falar de novo.

Então, Rafe sorriu sem amostrar os dentes. Quem dera ele houvesse qualquer pingo de felicidade naquele sorriso.

Na primeira brecha que teve, Rafe se afastou rapidamente de perto do seu pai e dos demais amigos dele. Procurou Sarah com os olhos, mas não a achou tão rápido quanto queria. Ela provavelmente estava conversando com algumas das amigas bem vestidas de Rose. Quando se tratava de socializar, ela sempre foi melhor que Rafe no quesito. Quer dizer, ele nunca gostou de fazer sala pra ninguém, ainda mais com pessoas que durante o ano todo, nunca lhe perguntaram se ele precisava de um copo d'água. Patético pra caralho.

E aquela sensação angustiante não parava de crescer em seu peito. Seu coração começa a acelerar, sua respiração fica cada vez mais descontrolada e seu corpo todo treme como se estivesse numa maratona de inverno. Ele não podia fazer aquela cena na frente de todo mundo. Por isso, subiu as escadas feito uma bala de canhão e se trancou no seu antigo quarto. Rafe apoia as costas na porta, mas suas pernas não tem forças para segurar o peso do resto de seu corpo. O capitão de hóquei cai sentado, com o ar faltando em seus pulmões e os olhos lacrimejando pelo desespero. Ele tinha a sensação de que iria morrer. Esse era o efeito que ficar perto da sua família causava nele, toda vez.

As lembranças daquele quarto voltam pra sua mente feito uma metralhadora. Apanhando no chão, sendo jogado na parede, tendo sua cabeça arremessada na cabeceira da cama e, até mesmo, a janela que hoje em dia está intacta sendo quebrada com o peso do seu corpo sendo jogado sobre ela. Absolutamente todas as recordações que ele tinha dentro daquela casa faziam parte dos piores momentos de sua vida. Rafe não viveu nas mãos de Ward, só sobreviveu, por mais pesado que essa frase possa soar.

É como se sua garganta fechasse. Ele tenta recuperar o ar enquanto chora e pressiona as mãos nos próprios olhos. Mais uma vez, ele tem a sensação de que seu chão desabou fácil demais. Tinha tempo que ele não desenvolvia crises, mas toda vez que elas voltam, sempre soam como um furacão dentro de um corpo tão frágil. Não importa o quão forte Rafe seja pelos incontáveis esportes que pratica, a sua maior força sempre seria a mental, mesmo que ele fraqueje muitas vezes. Até hoje se pergunta como não havia feito uma besteira contra si próprio.

O garoto tateia os bolsos da bermuda desesperadamente atrás de seu celular. Quando o achou, acendeu a tela e seus dedos automaticamente discaram um número em específico. Nem mesmo ele soube o porquê, e naquele momento, ele não quis ficar se questionando demais. Se passasse mais um segundo sozinho preso no próprio inferno, ele enlouqueceria. Com o telefone pressionado na própria orelha, o som de espera em seus ouvidos lhe faz ter vontade de berrar alto pela agonia.

Ei, Rafe. Eu tô com a minha família agora, posso te ligar dep...

⏤ Eu preciso te ver ⏤ ele soluçou. ⏤ Me ajuda, Avery. Por favor. Eu não tô aguentando mais.

Não, a casa de Avery não era tão perto da dos Cameron. Nem mesmo a faculdade se cogitava agora, porque já era próximo das nove da noite. Também, nunca que em mil anos Avery deixaria sua família de lado para ir atrás de algum com seu carro. Porém, o desespero na voz de Rafe dilacerou completamente o seu coração. Assim como ele, ela ficou assustada e um tanto quanto angustiada.

Rafe? O que aconteceu?

⏤ Você pode me encontrar agora? No parque central?

Naquele horário, o parque central era estúpido de tão perigoso e deserto. Mas ela não poderia negar nada pra alguém que parecia tão perdido.

T-Tudo bem... Mas agora?

⏤ Por favor ⏤ ele suplicou.

Em menos de meia hora, Avery estava aconchegada num moletom grosso e numa calça jeans justa ao corpo andando pelo parque. Não haviam as crianças que normalmente brincavam ali durante o dia, nem os pombos que se alimentavam dos miolos de pão que os idosos costumavam jogar pra eles. Apenas o sereno e a angústia no peito de Avery pairavam sobre o ambiente.

Então, quando viu a figura alta e hiperativa do jogador de longe andando de um lado pro outro, ela soube que o silêncio dali deveria ser ainda mais desesperador pra ele. Avery caminhou até Rafe que escutou seus passos e rapidamente se virou em sua direção.

A visão dos olhos avermelhados, da face angustiada e dos lábios tremendo pelo desespero fazem Avery soltar um suspiro empático. Ele parecia estar na beira de desabar.

⏤ Não queria incomodar, eu...

Ela não deixa que Rafe termine. Passou os braços pelo seu pescoço e o envolveu calorosamente em seu afago. Rafe se aconchega dentre o abraço de Avery, não conseguindo sustentar as lágrimas que seguravam em seus olhos e chorando incansavelmente no ombro da menina. Se sente impotente, quebradiço e mais fragilizado do que nunca.

E o coração de Avery balança dolorosamente dentro do seu peito por descobrir da pior forma possível que o capitão de hóquei também era humano demais pra sustentar a pose de intocável por muito tempo.

𝐓𝐎𝐗𝐈𝐂, 𝗰𝗮𝗺𝗲𝗿𝗼𝗻. ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora