III

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Namjoon - setembro 2020 - Seoul

Meu lápis foi arremessado com certa brutalidade na mesa de madeira onde trabalho, bufo irritado quando por não medir minha força ele ricocheteia e quase me acerta. Esse nem de longe é um dos meus melhores dias. Mentir, omitir, fugir e me esquivar não são coisas que faço com tanta frequência e como algumas pessoas dizem "A prática leva à perfeição" por isso sou um péssimo mentiroso ainda mais quando não sei porque estou mentindo. Minhas capacidades em guardar segredos se assemelha a de um monge em cultivar ervilhas – se esse monge em questão não for Mendel é claro –.

A mais de dois meses venho me esquivando e escondendo um segredo absurdamente grande, tão grande que chega a pesar minha consciência, me entregando péssimas noites de sono. Por horas penso em soluções para um problema que visivelmente não tem uma solução menos dolorosa que revelar a verdade. Não posso esconder algo que sequer sei o que é. Contei tantas vezes a mesma mentira que agora sinto que me afundei nela, uma mentira que sequer é minha, um segredo que sequer me pertence.

Meus companheiros de equipe já notaram que estou em falta e venho me esquivando. Quando alguns assuntos delicados são citados, pelo peso em minha consciência, até mesmo os pelos da nuca se arrepiam, entregando minha culpa em cartório. Psicologicamente exausto e talvez com medo é assim que me encontro, medo por não saber o porquê venho mentindo, por alguém que não faz questão de me dar bons argumentos.

"- Ele está bem, só precisa de espaço."

"- Ele só quer um tempo sozinho."

Recolho o lápis que havia voado para o outro lado da sala. Tento voltar a compor, conseguindo aos poucos canalizar esse sentimento e entregá-lo de forma sincera em uma composição que saiu rapidamente – ao menos foi o que achei –. Olho de relance o horário percebendo que passei quase cinco horas sem sequer me levantar. Às duas da tarde me retiro do meu recanto de trabalho para procurar algo para comer e me esticar, quem sabe respirar um ar fresco.

"- Eu falei com ele ontem, está tudo bem, até comemos juntos."

"- Não, ele nem tem chorado mais."

Procurei por um dos membros para não ter que almoçar sozinho, contudo, todos que me responderam em nosso grupo de mensagens já haviam feito suas refeições. Passei em frente ao estúdio do rapper mais velho e notei que seu calçado que normalmente ficava para fora, não estava ali. Resolvi ligar para Yoongi, às sete da manhã quando me deixou na empresa ele havia dito que ia em seu apartamento e logo voltaria. Ele estava fugindo de nossa conversa a tempo demais e nessa manhã essa foi uma de suas fugas. Quando ele queria, conseguia ser como areia do deserto, se esvaindo pelos dedos, sem nem que você pudesse se dar conta. Essa característica do mais velho sempre foi complicada de se lidar, ainda mais quando ele escondia seus sentimentos, angústias e principalmente...

Medos.

Desde O ano novo ele mudou muito, não posso julgá-lo, mesmo sendo um mero telespectador de seu agonizante sofrimento, até mesmo eu mudei depois de tudo. Ouvir os gritos de dor e sentir as lágrimas mornas molharem meu ombro, depois de seus terrores noturnos que o assombravam, me fizeram conhecer ainda mais a fundo meu colega com quem vivo a dez anos. Acho que ainda assim, não fundo o suficiente para saber o porquê ele tem tanto se escondido. Caso ele precise chorar, não é vergonha alguma ter um ombro ao qual se apoiar, ainda mais o meu o qual se apoiou durante as primeiras semanas de seu luto.

Entretanto acho que por ele sequer ter tido tempo para seu luto, o fez engolir tudo por tempo demais. Talvez seja por isso que ele tem estado mais só, para desabar tudo que segurou durante nossa tour.

Ele aguentou mais do que deveria.

Meus devaneios se dissipam quando ouço um dos funcionários da empresa me chamar para entregar minha encomenda.

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