Capítulo 11 – Recíproco
Um clima mórbido ainda pairava no ar quando Narcissa acordou — porém, é óbvio, ela não podia dizer que estava menos em paz do que estava nos últimos dias na Mansão Malfoy —. Antes mesmo dos olhos azuis acinzentados serem abertos, a mulher já havia notado que Snape não estava mais dividindo a cama com ela. O espaço já frio do outro lado da cama era bem perceptível.
Com mais exatidão, Snape não estava no quarto, muito menos em casa — o que Narcissa descobriria em breve —, pois como ele havia dito, precisava voltar para Hogwarts.
Ainda processando o fato de Severus não estar ali, momentos do dia anterior apareceram em sua mente — assim como tudo de negativo pelo que estava passando — e ela se recordou do que devia fazer. Estava mais fraca agora do que estava ontem, e isso se dava por causa das poções. Foi quando se lembrou de tomá-las.
Uma das poções que estavam na mesinha ela sabia ser a fortificante; as outras não lhe eram completamente estranhas, mas ela não lembrava dos nomes dessas e nem dos efeitos que causavam. Porém, o que chamou mesmo sua atenção não eram os frascos ali, e sim o papel dobrado que também estava sobre aquela superfície de madeira.
Sua ansiedade fez com que ela tomasse o último frasco de poção lendo o bilhete.
Eu precisava voltar para Hogwarts, querida. Não quis te acordar antes de ir. Tome as poções e se alimente. Fique à vontade para fazer o que quiser. Me desculpe por ontem.
S.S.
Não havia muito o que fazer a não ser seguir tais instruções…
Ao fazer sua higiene matinal e vestir algo mais modesto do que era comumente visto em si, Narcissa foi do quarto de Snape a sala, que era um cômodo grande com uma mesa ao fundo. Assim que a viram, os elfos foram rápidos em deixar sobre a mesa várias opções de como ela poderia se alimentar — sabiam que ela não costumava ser gentil com seres como eles.
A casa de Snape — diga-se de passagem que era um espaço menor do que estava acostumada — era um lugar mais ou menos conhecido por Narcissa. Havia cômodos que ela conhecia melhor que outros e alguns em que ela nunca esteve. Seguiam uma coloração branca ou cinza em sua maior parte, com poucos toques de azul profundo por alguns lugares. Aqueles fios metálicos de azul no piano da biblioteca pareciam se espalhar pela casa. Mas nada disso apresentava semelhanças com o Mestre de Poções.
O instrumento invadia suas ideias. Dentre tudo que ela poderia fazer, poucas delas davam esperança à mulher de que ela poderia sentir alguma calma. Estava num lugar que não era sua casa apesar de o dono ser uma das pessoas que ela mais gostava, rendida a um relacionamento com o mesmo que não tinha um começo exemplar no quesito moral, e isso depois de ter saído de um outro relacionamento que não lhe estava fazendo bem há mais do que imaginava. A insegurança, junto com a tristeza e aquele desprezo que nutria por si era forte. Como uma Black, sentir-se assim era praticamente um crime das tradições da família. De qualquer forma, este não era o ponto principal e Narcissa espantava a si mesma concordando com Malfoy quando este a chamou de vadia…
Mas não custava dar uma chance às notas que poderia tirar do piano. A música poderia ter a capacidade de silenciar sua dor e não haveria nada, além da música que escolhesse tocar e como a tocasse, que pudesse estragar isso.
Precisava daquilo.
A biblioteca mal iluminada era o que Narcissa sentia ser mais familiar na casa que não chegava a ser uma mansão. Só esteve uma vez naquele lugar e sem dúvida esta era a parte da casa de Severus que ela mais gostava. Sim, era essa parte a sua preferida. Era o oposto de tudo com o que estava acostumada, com poucos elementos que era de sua natureza gostar, organizados de um jeito que não lhe agradava. Contudo, Severus gostava. Carregava a trágica e bela lembrança daquele Snape em um luto que ela nunca compreendeu exatamente. Carregava também as decepções que a mulher não sabia que tomariam uma proporção maior.
A mitigação das dores um do outro.
Era isso que estava ali.
Era isso que eles representavam como casal.
E era nisso que Narcissa pensava conforme fazia ressoar no ambiente notas graves de uma música que não era triste como seu ser.
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A ideia de estar deixando Hogwarts sem ser para realizar uma outra parte de seu serviço tinha um ar muito intrigante. Estava voltando para alguém. Nunca imaginou que viveria para agir por tal motivo. Estar adiantando o trabalho durante a manhã e à tarde unicamente para isso… se voltasse no tempo e dissesse para o seu eu do passado que Severus Snape, além de tudo que fez, estava também fazendo aquilo, ele jamais acreditaria. Todavia esse ponto não era relevante, pois a verdade era clara; lá estava ele voltando para Narcissa.
O único empecilho provavelmente era quando Snape passou a ter a oportunidade de viver assim…
Contudo, este era outro ponto no qual não queria se concentrar.
Mediante a tal contexto, o homem somente torcia para não estragar tudo. Era algo que se esforçava muito para não permitir acontecer desde que passou a pensar em Narcissa Malfoy como a sua Cissa.
Olhou para o escritório de Dumbledore — a sala que tornava material seu remorso e culpa — e olhou para o próprio, que com seus penetrantes olhos azuis retribuiu o olhar… O quadro era o único que lhe fazia em companhia em Hogwarts. Dentro da moldura Dumbledore era mais gentil com Snape do que fora nos anos anteriores. Apesar de tudo, nutria afeto pelo velho diretor.
— Existe algo de diferente em seus olhos, Severus. — declarou Dumbledore.
— Não faço a mínima ideia do que possa ser, Albus… Talvez eu precise de óculos — respondeu com sarcasmo.
— Espero que algum dia seja capaz de me perdoar e aproveitar a vida, filho.
— Não acho que vou ter tanta sorte — respondeu com um tom mais grave e baixo que o anterior.
Já estava escuro lá fora.
A figura negra deixou o escritório sem pestanejar, deixando assim a pintura de um bruxo velho que, sem saber a razão para tal, tinha um ar mórbido.
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— Não precisa pedir desculpas por ontem mais uma vez, Severus… — declarou Narcissa assim que ele se deitou ao seu lado...
Snape não disse nada.
— Por quê? — perguntou Narcissa depois de longos minutos de silêncio e insônia das duas partes.
Snape franziu o cenho confuso.
— Por que está fazendo isso por mim? — Reformulou a pergunta dada a falta de resposta do homem.
O cômodo estava completamente escuro desta vez. Sabiam que estavam deitados um de frente para outro, porém qualquer forma que achassem estar vendo era uma mera criação da mente de cada uma das duas partes do casal.
— É uma boa pergunta, Cissa. Por que você quis ficar comigo? É algo que ainda não compreendo.
— No início te quis porque não sabia nada sobre você. Seu olhar era como um convite.
A respiração de Snape ficou mais lenta quando ele soltou um murmúrio.
— Agora responda a minha pergunta, Snape. — exigiu a mulher com um tom mais rígido, mais próximo do seu natural.
— Não me sinto usado quando estou com você.
— Mas eu já te usei… Sinto que estou te usando agora.
— Se está dizendo que eu funciono como uma forma de escapismo para você, Cissa, o que suponho que seja, fiz o mesmo desde a primeira vez que dividimos uma cama. Seu olhar me foi como um convite para fingir que minha vida não tinha nada de errado por um curto período... Se é a isto que se refere, é recíproco.
"Não vejo problema se é recíproco. E se realmente me sinto melhor, o suficiente para continuar, cuidar de você é o que posso fazer para agradecer."
— Vou aceitar sua resposta.
Finalmente sentiram sono, findando a conversa nesse ponto.
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Retravar
FanfictionAssim como todos os outros, Narcissa Malfoy e Severus Snape passaram por um ano turbulento. Amavam um ao outro, mas não se viam juntos depois da guerra por muitos outros motivos. Snape sequer imaginava que viveria para cogitar alguma coisa. Narcissa...