Nessa noite deitei-me às 10 da noite, um pouco mais tarde do que costumava, e adormeci em pouco tempo, mas não tardou para que acordasse. Ouvi um grito estridente da minha mãe e logo de seguida o barulho da caçadeira que o meu pai usava para matar pequenas aves no bosque, de seguida apenas ouvi silêncio, um silêncio sufocante e frio, um silêncio que se prolongou por 10 longos minutos.
Levantei-me da cama, com as minhas unhas fincadas no meu pijama azul e com os meus olhos em lágrimas a segurar o choro para que ninguém me ouvisse. Os meus pés pareciam estar envolvidos em algodão, e a cada escada que eu descia, mais o medo corria pelas minhas veias fazendo o meu coração acelerar tanto que o sentia no meu pescoço e quando finalmente cheguei á sala, não conti a lágrima que caía pelo meu rosto, seguida pelo pequeno soluço que saia entre os meus dentes. O meu pai estava de cócoras com a espingarda a poucos centímetros do corpo ensanguentado da minha mãe, olhou para mim e aquela expressão de desespero e arrependimento encaixou-se na minha memória até aos dias de hoje. Passámos 20 minutos em silêncio sem fazermos um único movimento, sem trocarmos uma única palavra até o som das sirenes interromperem. Um vizinho ligou para a polícia porque, ao fazer a sua caminhada habitual pelo ribeiro ouviu o tiro. O meu pai foi levado ainda sem dizer uma palavra, ainda sem mudar a sua expressão e sem resistir aos movimentos bruscos que os polícias faziam enquanto o levantavam e dirigiam para o carro. As semanas seguintes passei-as em tribunais, psicólogos, e mergulhada em medicamentos, e cada vez mais perguntas surgiam, não só as perguntas que me faziam da parte da polícia e da psicóloga e sim também perguntas que iam aparecendo na minha cabeça ao longo do tempo. O meu pai foi acusado de homicídio e violência doméstica. Berrava com a minha mão e levantava-lhe a mão, mas não me lembrava de alguma vez lhe ter acertado de propósito, mas isso pensava eu e no entanto, o meu pai é um criminoso condenado a pena de morte, a minha mãe estava agora morta e a minha avó também. Sem família, fui adotada pelos meus vizinhos, e vivi até aos meus 18 anos com eles, afastada da minha casa de origem que era chamada de "Vivenda da morte" pelos jornais.

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Perdida no passado
Aventureuma rapariga com uma vida particularmente normal vê a sua vida virar se do avesso quando herda uma "maldição" da parte da familia materna.