UM CHAMADO ALÉM

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POR CARLOS EDUARDO ANGELIM

ILUSTRAÇÃO POR GEALYSON JOSÉ DE O. SOARES


PARTE I

    Temo que o delegado Pickford esteja louco. Nas últimas cinco noites ele me deixou encarregado de investigar os passos de um tal Ferdinando Soren. O nome talvez pareça estranho à primeira vista; pelo que soube a seu respeito, é um velho estrangeiro que chegou aqui por estas bandas há um bom tempo. Apesar disso, poucos o conhecem. Pelo que vejo até você, Laurence, que vive aqui há muito mais tempo do que eu, parece nunca ter ouvido falar do sujeito.

    Não te julgo. Pelo que observei nas últimas noites, o tal estrangeiro aparenta levar uma vida bastante pacata e reclusa. Na maior parte do tempo em que eu estive em seu encalço não pude deixar de notar seus hábitos estranhos. Os vizinhos, coitados, mal conheciam o homem. Quanto a isso não tenho o que declarar; afinal, desde minha chegada a Saltville eu mesmo tenho sido vítima de olhares um tanto quanto inquietantes. Mesmo que hoje eu pertença à força policial, tais olhares nunca cessaram. Pior: temo que a desconfiança e os julgamentos tenham se acentuado. Felizmente pude contar com o seu apoio, Laurence, e com o apoio do velho Pickford, mesmo que talvez a idade e a demência lhe tenham abatido, pois não posso enxergar os motivos desta investigação tão rigorosa sobre o estrangeiro.

    Sobre ele, permita-me continuar. Além de sua estranha reclusão, Ferdinando possuía um outra hábito curioso. Enquanto todos os outros cidadãos iluminam suas casas durante a noite, Soren faz justamente o contrário. Por esta razão, não pude ver o que se passava dentro de sua casa nas últimas cinco noites. Estranho, não? Pergunto-me se o velho pensa em esconder algo de nós.

     Eu juro que meus passos e minha investigação estão sendo executadas sob o máximo sigilo. É impossível que Soren esteja suspeitando desta nossa operação, por mais bizarra que ela seja. Isso me deixa um tanto inquieto. Afinal, existe a possibilidade de que Ferdinando não esteja fugindo de nossa operação, mas sim de algo ainda desconhecido. Talvez, penso eu, exista realmente alguma relação das coisas que vi durante as últimas cinco noites e os eventos do último mês.

    Sim, no último mês. Tenho certeza de que você se lembra do desaparecimento daqueles pescadores no mar. Era uma pequena embarcação, talvez com uns cinco ou seis homens. Nenhum deles retornou para casa. Ou pelo menos foi o que eu pensei de início. Segundo o delegado Pickford, um destes homens retornou das águas. Seu nome? Ferdinando Soren.

    Eu sei, parece loucura. Ainda acho que seja. Mas o delegado parece ter certeza de ter visto Soren partir junto dos outros pescadores quando estes foram vistos pela última vez. Temo que esse seja o motivo de toda esta investigação sem sentido. Estranhamente, o estrangeiro não fora encontrado na costa e muito menos nos restos da embarcação, mas sim em uma ruela esquecida da cidade. Tinha um semblante pavoroso; com toda certeza estava embriagado. As roupas sujas e rasgadas e o cabelo bagunçado também insinuavam isso. Dormia profundamente, embora parecesse um tanto inquieto. Mas eu repito: o delegado tem certeza de que viu Soren entrar na embarcação, mesmo que ele próprio não pudesse explicar o que aquele homem fazia ali sobre o chão.

    Por enquanto, isso é tudo que tenho a falar. Temo que já esteja muito tarde para continuarmos esta conversa. Obrigado por ouvir minhas reclamações e desabafos. A ideia de que todo o meu esforço seja em vão tem tirado meu sono nos últimos dias; ainda assim, existe algo que me motiva a continuar esta investigação e trazer à tona, talvez, a verdade. Conto com sua ajuda amanhã, Laurence. Entraremos na casa do velho estrangeiro, mesmo que tenhamos de usar da força para tal façanha.

Um Chamado AlémWhere stories live. Discover now