Primeiro capítulo.

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"Se fosse comigo, eu faria diferente". Chega a ser engraçado como isso soa, normalmente quando dizemos algo semelhante, estamos nos sentindo de duas maneiras, gratos por aquilo não ter acontecido conosco e logo em seguida, o sentimento de julgamento nos toma, é fácil julgar uma mãe por não ter cuidado "direito" da sua filha, uma cuidadora que se dasatentou da criança, de um pai que perdeu seus filhos para as drogas. Sim, é fácil julgar, afinal, não somos nós os protagonistas daquelas histórias, histórias essas que não conhecemos por inteiro, apenas uma parte ou até um mísera especulação. Mas antes do julgamento, a solidariedade nos abraça, por isso quando algumas mães veem no noticiário algo terrível, como chacinas em escolas, elas abraçam seus filhos, o lado materno grato por eles estarem bem.

Me peguei esses dias pensando "se fosse o meu filho...", eu não sou mãe, estou no auge da minha adolescência, ainda tenho sonhos altos e a sociedade ainda não destruiu minha inocência por completo, mas me achei digna de opnar como faria diferente se fosse aquela mãe, mas quando a minha mãe disse "e se fosse meu filho eu...", foi nesse instante que minha audição desligou, como ela podia dizer aquilo? Como ela se sentia no direito de opinar sobre a vida de alguém sendo que mal conseguia resolver a nossa?

- Não concorda? - senti um leve toque no braço, ela apontava com o queixo para a televisão, na tela eu via uma enquete "a mãe é culpada?", 68% das votações dizia que sim.

Balancei a cabeça em concordância, mas confesso que foi apenas pra não ter que debater sobre meu posicionamento, me livrei daquela situação indo até a geladeira da cozinha, não tinha muito e o que tinha pra comer, preferi deixar pra mais tarde. Uma garrafa de água foi suficiente, voltei até próxima da minha mãe e busquei meu livro surrado ao lado de onde eu estava sentada.

Estava com dificuldade em terminar esse livro em especial, a minha sede de leitura estava diminuindo ou era por que a linguagem do livro era formal?
Não sei ao certo, mas estranhei, era um livro de assassinato, e eu como a amante de investigação criminal que me dizia, deveria estar saboreando cada parte dele. Agatha Christie, uma autora que descobri a pouco, mas me encantei pelas suas obras, os títulos dela são extravagantes e isso me chama tanta atenção, me faz crer que até eu poderia fazer uma obra.

*bipe de notificação do celular*

Um jogo me notificando sobre uma nova temporada, eu sou apaixonada nesse jogo, jogo a 2 anos, antes era bem noob, mas agora...continuo noob, porém sabendo como funciona o jogo e suas estratégias. Eu sou o famoso caso da garota que adora jogar, mas acha que não leva jeito, a garota que seria feliz trabalhando com algo tipo games, mas não tem recurso suficiente para tentar ser streamer, meus pais jamais iriam apoiar, aquele pensamento de que apenas a faculdade pode te conceder um futuro digno e tranquilo é bem presente aqui. Enquanto isso, o meu medo é ser mais uma com diploma mas sem conseguir nada, só queria ter uma condição pra atirar pra todos os lados antes de ter que escolher um curso, eu tenho um leque de opção com essa nova era digital, mas estou em um fim de mundo, incapacitada de tentar.

"Tenho até as 17hrs, apenas até as 17:00", faço um lembrete mental.

Esse é o horário em que ele chega e eu me retiro para passar o resto do dia no quarto, não me lembro quando comecei a fazer isso, provavelmente quando me senti ameaçada.

Percebe a nossa semelhança com os animais irracionais? Eles sabem quando o perigo está próximo, eles latem, rosnam, eles não precisam explicar o que estão sentindo, apenas fazem, se escondem ou mordem. De certa forma, temos atitudes iguais, acredito que tem algo em nós que nos avisa, algumas pessoas ignoram, mas eu escuto, preservação da vida e bem estar em primeiro lugar. Aprendi a decifrar os sinais do meu corpo, movimentos repetidos e uma estranha agonia, me dizem que estou com ansiedade, assim como arrepios intensos e perca da fala momentaneamente com certas situações me dizem que estou desconfortável.

A minha mãe se preocupa, ela realmente se preocupa, mas se preocupa com as coisas erradas ao meu ver, eu sei que ter uma boa educação é importante, sei que os estudos podem me tirar dessa miséria e me tornar até uma médica, mas se o meu psicológico estiver tão abalado no futuro que eu não consiga ver capacidade em mim? Que eu prefira desistir a tentar. O futuro me emociona, é um desconhecido lugar aonde eu queria poder espiar e depois voltar para a minha realidade, por que se eu não gostar do que ver, poderia vir para a minha zona de conforto e tentar mudar aquilo, mas ao mesmo tempo o futuro me assusta, é algo incerto, decisões do dia a dia me levarão a um lugar, não as grandes decisões como que curso você vai escolher no futuro, mas sim as pequenas, como tratar as pessoas, como ser sincera e autêntica, afinal, não são apenas escolhas de vida que levam a algum lugar, mas sim pessoas. É uma pessoa que indica outra para um emprego, é uma pessoa que promove para um cargo, é uma pessoa que leciona uma boa aula e te faz desejar estudar, são pessoas.

- Trouxe água - minha mãe estende o braço pelo vão da porta, levanto e tomo das suas mãos.

- Obrigado - digo e retorno para a cama.

Volto minha atenção para o livro, é uma capa um tanto misteriosa, como o livro em si, um assassinato na casa do pastor, mesmo antes de chegar a parte do assassinato, deduzo que o pastor será o suspeito, assim como quem estiver na casa, os próximos serão a esposa, filhos ou possíveis amantes. Essa é parte em que eu tento acertar algo da história apenas pelo que já li e sei sobre fatos investigativos. Seria um tanto inusitado se o pastor realmente fosse o culpado, afinal, na casa dele seria dar muito na cara, ou então ele pode ser um gênio, por que NINGUÉM mataria na sua casa e deixaria o corpo lá, tinha que ser alguém extremamente audacioso e confiante, sem falar dos álibis. O personagem que é assassinado é um coronel, os moradores não tem lá um relação amigável com ele, fala o que quer e quando quer, sem falar da sua posição de coronel em uma cidade minúscula ser bastante chamativa, homem com grandes posses.

"Droga, as atividades", lembro que ainda sou estudante e gosto de fazer tudo aquilo que é passado pelos professores, me esforço pois não sou nenhum gênio, muito pelo contrário.

- Se arruma cedo, hoje tem culto- minha mãe fala em um tom alto.

Pelo visto teria que deixar as atividades para depois do culto, isso significava que ficaria acordada até mais tarde e consequentemente não teria muita disposição para acordar na manhã seguinte.

Liguei a tela do celular, apontava 18:45, ele já estava em casa.

Peguei a toalha, escova de dentes, o vestido e as partes íntimas, levei tudo para o banheiro, sem cerâmica e sem reboco, tomava banho entre o medo de alguém conseguir ver meu corpo entre os buracos dos tijolos e/ ou cimentos e o medo de insetos, aquelas malditas baratas voadoras adoram ir passear no banheiro quando era o meu momento do banho, parece que elas sentem o medo e o seguem.

Sem nenhum espelho, penteava o cabelo ali mesmo, passava uma boa quantidade de creme até ver alguns fios brancos, vestida e de cabelo penteado eu saia do banheiro.

- Opa - assim que abri a porta do banheiro dei de cara com ele passando no corredor, saindo do quarto deles para a sala, o banheiro era de frente para o quarto deles e do lado do meu, isso acontecia de forma costumeira, não tinha como evitar.

Mais tarde, passei a observar as sombras embaixo da porta do banheiro, comecei a sair de lá apenas quando percebia que ele não estava ali, quando a sombra ia para a sala. É o que eu chamo de preservação da vida e bem estar.

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⏰ Última atualização: Sep 20, 2021 ⏰

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