E mais uma vez, sento no primeiro banco vazio que vejo na cafeteria, abro meu notebook na mesa e espero ansiosamente a inspiração chegar até mim. Ajeito meus óculos finos, peço meu café favorito ao garçom e inicio meu contínuo trabalho de observação.
Escrever um livro nunca foi fácil. Eu diria que a parte mais difícil é começá-lo. Você sente uma vontade angustiante de criar uma história original e com potencial para o sucesso, mas não possui nenhum estímulo imediato que lhe faça escrever algo extraordinariamente bom. Por isso, venho passado os últimos dias procurando em todos os lugares por algo que acenda a chama da minha imaginação. A melhor maneira de fazer isso é analisando o cotidiano de outras pessoas e imaginando como são suas vidas. Uma hora, alguma das vidas que você inventou vai ser interessante o suficiente para dedicar um livro inteiro a ela.
Aquele cara, com a barba mal-feita, cabeça raspada e olhos caídos. Averiguando sua aparência, ele pode muito bem ser um fugitivo da prisão, sem tempo para se barbear ou até mesmo descansar. Seu disfarce pode cair a qualquer momento, e cada um de seus movimentos é meticuloso, extremamente calculado e planejado para não ser pego durante sua fuga da cadeia mais segura do país. Posso ver em seu olhar todos os guardas que já derrubou e todas as pessoas que já enganou em sua jornada, motivado a seguir em frente para alcançar um objetivo maior: tornar-se um cantor intencionalmente famoso.
Mas essa história nós já vimos e ouvimos várias vezes em diversos filmes policiais. Eu preciso de algo mais original. Além do mais, não sei se virar uma celebridade combina muito bem com prisioneiros altamente procurados.
Suspiro em decepção, um sentimento já comum após tantas tentativas falhas de começar meu livro. Não consigo mais ver inspiração em nada nem ninguém. A moça do caixa que está apaixonada pelo cliente que aparece todas as quartas, o garoto que sempre queima a língua com chocolate quente, nada me traz um ímpeto pensamento criativo que seja. Parece que meu livro nunca chegará a um fim.
Continuando com minha busca incessante pela narrativa perfeita, avisto pela primeira vez uma jovem de cachos ruivos entrando no café, seu cabelo volumoso chamando atenção antes mesmo do sino acima da porta anunciar sua presença. Meus olhos seguem seus passos como uma câmera, gravando todos os seus detalhes e movimentos. Suas roupas largas e andar desajeitado me fazem pensar que, mesmo tentando apresentar-se durona, ainda não tem certeza de seu destino, nova demais para saber o que o mundo lhe reserva. Ainda indecisa, ela se aproxima do caixa para fazer seu pedido, e eu investigo cada centímetro de seu corpo mais uma vez.
Não consigo ver muito além no seu futuro, incapaz de criar um contexto para sua trajetória. Mas consigo colocar-me em sua vida. Consigo imaginar nossas conversas banais, o brilho de seus olhos castanhos quando abre um sorriso, suas mãos tocando as minhas com delicadeza, meus fios de cabelo embaraçados em seus brincos enquanto nos beijamos durante o pôr do sol, sua voz rouca e sutil cantando para mim a canção mais bonita que já ouvi. Não sei se ela possui um destino, mas tenho quase certeza de que ela faz parte do meu.
Sinto que isso é um começo.
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Pequenos Contos
Short StoryContos pequenos sem temas específicos, apenas histórias curtas para ler rapidamente.