Troféu.

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O lençol branco a cobrindo refletia os raios solares que adentravam aquelas quatro paredes igualmente brancas, mas nem por isso ela sentia frio. Na verdade, assim que despertou do seu longo sono, uma onda de calor acolhedora se espalhou por todo o seu corpo, como se a garota tivesse acabado de acordar de um sonho relativamente agradável, o qual, infelizmente, ela não lembrava mais os míseros detalhes.

Porém, ainda assim, a sensação afável permanecia armazenada em seu peito. Utahime abriu os olhos devagar, a sua visão turva se estabilizou e ela observou o local com atenção, se acostumando com os arredores. Era tudo tão familiar para ela. As almofadas fofas e confortáveis, a cabeceira da cama levemente inclinada, o tapete cinza comprido que cobria toda a extensão do piso, a janela aberta e as cortinas brancas que balançavam livremente com as leves rajadas de vento que chocavam contra estas.

Tão familiar.

Não era a primeira vez que a feiticeira se encontrava naquele local depois de uma missão. Afinal, quem ela estava enganando? Era como Gojo havia dito: ela era fraca, simples assim. Essa provavelmente nem sequer seria a última vez que ela iria acordar na enfermaria, com ataduras ocultando cada centímetro do seu corpo, e isso a deixou com um gosto amargo na boca. Dia após dia, missão após missão, ela iria esperar Shoko tratar de seus ferimentos com a sua incrível — exatamente o oposto de Utahime — técnica reversa. A garota iria contemplar no espelho as cicatrizes irreversíveis preenchendo a sua pele, ao sair do banho, que nem mesmo os poderes da amiga conseguiram curar, e ela iria se perguntar se, em algum momento, isso mudaria. Honestamente, era patético. Como ela seria capaz de se tornar uma feiticeira de alto nível, respeitável, capaz de proteger os civis, quando nem ela era capaz de se proteger a si mesma?

O espelho retangular pendurado na parede em frente à cama na qual ela estava deitada oferecia à garota a visão perfeita do estrago que a última missão lhe causara. Ah... Essa cicatriz seria particularmente difícil de esconder. Utahime não precisava ver o desastre diretamente para saber que essa marca era relativamente maior que todas as outras "decorando" o resto do seu corpo, sob aquele traje branco que ela sempre usava quando acabava passando um ou vários dias sob os cuidados médicos de Shoko. Uma bandagem ensanguentada cobria toda a extensão da sua bochecha, até à ponte do seu nariz, anunciando que ela deveria trocá-la o mais rapidamente possível, antes que causasse uma infeção.

Ela levou as pontas dos seus dedos ao local e sentiu um forte ardor atravessar sua pele.

O que diriam os seus pais? O seu clã? O diretor Gakuganji? Os superiores... quando soubessem do fraco desempenho dela em uma missão tão insignificante, sendo aquela cicatriz a prova definitiva do quão fraca ela era? Lágrimas queimavam no canto dos seus olhos, porém, ela se recusava a chorar. Não daria a eles essa satisfação. Nunca.

O som melodioso dos pássaros cantando lá fora, para lá da janela, preencheu o silêncio triste do local, a trazendo de volta à realidade. Embora as suas pálpebras ainda estivessem pesadas, ela sentia que havia dormido por dias e dias. A garota virou levemente a cabeça, a inclinando para o seu lado esquerdo, porém, assim que o fez, ela arregalou os olhos, o seu coração pulou uma, não... várias batidas e Utahime nem mesmo notou quando prendeu a respiração em sua garganta, paralisada perante a imagem que ela tinha do feiticeiro de cabelos brancos perante si. Os seus membros se tornaram rígidos no lugar e o seu estômago parecia andar às voltas e voltas, enquanto ela confirmava que, de facto, aquilo não se tratava de um sonho.

Os fios de cabelo dele talvez fossem mais brancos que o próprio lençol que a cobria e, talvez por isso refletissem mais intensamente os raios solares matinais que clareavam o local, conferindo ao feiticeiro uma atmosfera quase angelical — tão serena e imperturbável, enquanto ele dormia sentado em uma poltrona ao pé dela, mas inclinado sobre o colchão da cama de Utahime. A garota notou o modo como ele agarrava os lençóis firmemente em seu punho e, diante dessa visão, não foi capaz de conter um sorriso ternurento. Gojo se preocupava com ela.

Cruel demaisOnde histórias criam vida. Descubra agora