1. INÍCIO DE VERÃO

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O verão começou, e os garotos reúnem-se para saber quais serão os seus destinos para os próximos três meses. Encontram-se em frente à escola onde estudam, completando o último dia do ano do cansativo ensino médio.

Eles ainda estão pensando se participarão da festa de formatura e Eliza, curiosamente, pergunta aos garotos o que eles irão fazer.

Adam, um dos gêmeos, que possui a cicatriz acima da sobrancelha esquerda, responde que será obrigado a viajar com os pais à casa de um tio distante que não vê há anos, e seu irmão gêmeo deveria ir junto. Porém, ainda não sabem a data exata desse passeio obrigatório.

— E aí, vão participar da festa? – indaga Jeff.

— Ainda não sei, porque eu tenho que falar com a minha tia – disse Eliza.

— E eu também não sei se vou ir, já que eu tenho que agradar o meu pai com essa viagem que parece que vai ser um porre. Mas eu ainda quero dar uma última olhada na cara de alguns para ver se eles vão ficar muito diferentes depois de um tempo, sabe? Se vão ficar mais bonitos ou mais feios ou se, depois de um período, vão olhar para gente quando passarmos pela rua, principalmente o idiota do Daniel – falou Adam.

— Ah, eu não me importo com essas pessoas. Não vendo mais essa gente, eu já fico muito feliz. E além do mais, os pais do Daniel são médicos. É bem provável que ele vá para bem longe daqui para fazer um intercâmbio ou coisa assim – argumentou Adrian, gêmeo idêntico de Adam, mas sua personalidade costuma distinguir do jeito de ser do irmão.

— Ah, nem me fale – bufou Eliza, empurrando para trás dos ombros os seus cabelos ruivos – o Daniel consegue ser muito popular e muito idiota ao mesmo tempo. Ele zomba até da cara dos professores, e o pior de tudo é que os pais dele pensam que ele é santo.

— Ele é um santo do pau oco. Graças a Deus eu não vou precisar olhar na cara dele de novo – disse Jeff, revirando os olhos.

— Eu fiquei sabendo que ele vai dar uma festa na casa dele em breve, antes da formatura – complementou Adam.

 Os garotos pegam suas bicicletas, tomando o rumo de casa e sentindo a leveza de um dever cumprido e um medo do que a responsabilidade futura pode trazer.

No caminho, as folhas das árvores levitando com a brisa aumentam a sensação de paz. Eles não aguentavam mais os testes de recuperação, os projetos de ciências, as peças de teatro da professora de artes para ensaiar e apresentar, fazendo tudo com o intuito de ganhar a mais alta das notas. E Jeff já não aguentava mais as implicâncias de Daniel por motivos que nunca entendeu verdadeiramente, só sabe que não suporta mais ver a figura loira de olhos claramente esnobes.

Ainda assim, continuam a pedalar pela Alameda Montenegro, a principal via do bairro Jaqueira. Os gêmeos e Eliza parecem tomar o caminho de sempre, mas Jeff não pôde deixar de fazer uma visita ao senhor Danton – um homem além da meia-idade que o conhece desde bebê – já que se deparou com as rosas bonitas e com o gramado que necessita de um aparo.

Desde que perdeu a esposa por um infarto fulminante, Danton tornou-se solitário, porém sempre tenta mostrar um ar de felicidade, gostando de deixar claro que seus cabelos brancos e sua pele enrugada não são motivos de tristeza. Entretanto é inevitável notar a saudade que ele sente de sua esposa Marta.

— Jeff, que prazer ver você aqui! – falou Danton ao ver a figura alta e quase forte em seu portão – Entre, tome um cafezinho comigo. Estou indo prepará-lo agora.

— Vim ver como o senhor está – disse Jeff, passando com sua bicicleta pelo portão – Eu estava indo para casa, na verdade. Mas achei melhor vir aqui primeiro. E um café seria ótimo.

Indo até a varanda de Danton, Jeff consegue sentir melhor o início da estação. O Sol indo embora, mas ainda assim deixando o calor que produziu durante o dia, é algo que gosta muito. E a casa peculiar transmite uma vida interiorana, apesar de estar no bairro Jaqueira, que fica próximo ao núcleo fervoroso de São Paulo. As rosas e camélias no quintal mescladas com as palmeiras, evidenciam que seu gosto não é único para as coisas, mas ainda assim consegue ser uma pessoa objetiva em suas atitudes.

— Então, senhor Danton, como se sente? – perguntou Jeff, dando um gole na caneca de café.

— Até que estou bem, mas ainda não consigo parar de pensar em minha Marta. Ah... doce Marta... – suspirou – A falta que ela faz ainda deixa um aperto no meu coração.

— Deve ser muito difícil... Eu entendo o senhor. Entendo mesmo, porque eu perdi o meu pai. E eu sinto a mesma coisa que você ao pensar nele.

— Rômulo era um ótimo exemplo de ser humano. Vejo que você herdou isso dele, garoto. Ele também tocava violino como ninguém.

— A música dele também faz falta... – disse Jeff, tentando esconder os efeitos da ausência do pai que sempre tenta guardar no peito, mas não consegue segurar as memórias que tornam isso impossível – Mas deixa de saudade, senão a gente vai acabar chorando igual criança.

— O engraçado é que ele sempre cantava essa música – e Danton canta um trecho da música de Tom, provocando um brilho mais nítido nos olhos do garoto. 

Jeff olha para o céu, tentando saber se o que disseram para ele é mesmo verdade. Onde será que o meu pai está? Perguntou para si. Está morto, simples assim – sua consciência responde em súbito.

Ainda mergulhado em suas reflexões perturbadoras, percebe que Danton está encarando-o, esperando que ele responda à pergunta feita.

— Como vão os estudos? Acabou de terminá-los, não é? – Danton repetiu, dando mais um gole em seu café.

— Foi por pouco, mas consegui. E saiba que o senhor já está convidado para a minha formatura.

— Que notícia boa, garoto. Estarei presente. Mas e sobre profissão? Tem vontade de exercer alguma, especificamente?

— Bem... É que eu ainda não tinha pensado nisso com cautela. Eu estava tão distraído com outras coisas que ainda não cheguei em nenhuma conclusão. Mas e o senhor? Sempre quis ser professor?

— Na verdade, não. As coisas foram acontecendo, mas fui tomando gosto e chegou um tempo que eu percebi que não poderia trabalhar com outra coisa.

Depois de exaustivos quarenta anos de trabalho, Danton tornou-se aposentado. Ele sempre diz que a sua profissão foi o motivo de seus cabelos brancos, todavia sempre se dedicava ao máximo para tentar transformar uma jovem vida.

Quando se dão conta, o céu já está estampado com a Lua cheia.

Ao pegar o seu celular, Jeff percebe duas ligações perdidas de sua mãe.

— Desculpe, senhor Danton. Mas eu preciso ir embora, senão vou ter que aturar os sermões da minha mãe – disse o garoto, em tom de brincadeira.

— Eu entendo. Vá antes que fique mais tarde. Acho que ela está esperando você para o jantar.

— O que acha de ir jantar com a gente?

— Hoje não, garoto. Quem sabe num outro dia, quando for mais conveniente?

— Tudo bem, o senhor é quem sabe. Qualquer coisa é só ligar, você tem o meu número – falou Jeff, indo em direção ao portão – Ah, e o café estava ótimo! – gritou em despedida ao dar partida em sua bicicleta.

Danton acena para o garoto até perdê-lo de vista. Logo volta para o interior de sua casa interiorana, sendo obrigado a ficar na companhia da solidão. Tenta escapar, mas o retrato na parede, em que ele está junto da esposa quando as rugas ainda não marcavam presença em seu corpo, não permite que ele fuja da constante saudade de Marta.

O AMOR DE JEFFOnde histórias criam vida. Descubra agora